segunda-feira, 20 de abril de 2009

À centésima, octagésima, terceira, foi de vez


Em mais um gesto que transmite a aparência de mudança sem que se tenha de mudar, de facto, qualquer coisa, Obama ordenou que alguns memorandos secretos sobre tortura (ou enhanced interrogation technics, como os adeptos de newspeak orwelliano gostam de dizer) fossem tornados públicos.

Muito mais radical que wakeboarding, surfboarding e outros desportos aquáticos, o waterboarding consiste em prender um suspeito a uma tábua e enfiá-lo de cabeça numa tina de água fria. O tempo de imersão é deixado ao critério do torturador.

Segundo os memos, um tal de Abu Zubaydah foi forçado a praticar waterboarding 83 vezes em Agosto de 2002. Apesar do calor que deve fazer em Guantánamo no Verão, não deve ter sido uma experiência muito agradável. Aparentemente, descobriram que ele é da Al Qaeda.

Mas o recorde pertence (esperemos) a Khalid Sheik Mohammed, o auto-proclamado autor do plano de atacar as Torres Gémeas a 11 de Setembro de 2001: em Março de 2003, a CIA torturou-o 183 vezes utilizando o mesmo método. Tanto num caso como no outro, o número de vezes leva a pensar que, mais do que informação, os interrogadores se queriam divertir um pouco.

Que haja sequer um debate sobre se isto é tortura ou não diz muito sobre o colapso da integridade no mundo democrático. Questionar a moralidade destas práticas, no entanto, é o caminho errado para as abolir. As pessoas já demonstraram estar dispostas a comprometer a sua moral em nome de uma ilusão de segurança.

Mas se um suspeito tem de ser torturado 183 vezes para dizer qualquer coisa, e acaba a dizer tudo o que os torturadores querem ouvir, talvez seja altura de se concentrarem em métodos de interrogação mais eficazes.

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