terça-feira, 30 de setembro de 2008

Queda livre



Os cartões que se viam em Wall Street pediam ajuda, esmola, trabalho. Como em Lisboa ou noutro sítio qualquer, quase ninguém dava por eles. 

Agora, os cartões pedem sangue. E toda a gente repara neles, a começar pelo Congresso americano, que votou contra o bailout dos senhores a quem os cartões de rua se referem. 

Estes expoentes máximos do capitalismo mais desregulado andam agora a rezar por um pouco de socialismo: a socialização dos seus prejuízos, para que se possam escapar com os lucros. Os contribuintes que paguem a crise. 

Sem perspectivas de futuro ou os mecanismos de segurança social desses países proto-comunistas que são as nações europeias, não surpreende que a classe média americana comece a levantar-se do sofá e a ir para o meio da rua com cartazes a apelar ao suicídio de toda uma classe profissional. 

Esta crise tem um lado bom: faz as pessoas verem exactamente o que acontece quando deixam a direcção da política aos políticos. E o que acontece quando os políticos deixam o mundo das finanças entregue a si mesmo, sem mecanismos de controlo e sem perspectivas de punição, seja nos tribunais ou nos mercados.

Os políticos não se importam que as pessoas digam que não passam todos de uma cambada de corruptos, ou de incompetentes, ou que são todos iguais. "Já não ligo à política" ou "já nem voto" são música para os seus ouvidos. 
O nosso desprezo e indiferença só tornam a sua vidinha mais fácil, e a sua corrupção mais natural. A culpa é toda deles? Sim. Mas eles são culpa nossa.

A Bolsa está em queda livre. Só faltam os corretores. 
Saltem, you fuckers.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Mais vale nunca que tarde?


Ehud Olmert, o ex-primeiro ministro de Israel afastado do cargo por suspeitas de corrupção, afirmou numa entrevista o que nenhum primeiro ministro israelita alguma vez confessou em público.

Israel tem de sair dos Territórios Ocupados, por inteiro. No caso de ficarem com alguma parte da Margem Ocidental, devem ceder território equivalente noutro local. 
O estado Judeu tem de renunciar a Jeruslém Oriental, com algumas concessões especiais no acesso aos lugares santos da parte da Autoridade Palestiniana. Os 270 mil residentes árabes de Al-Quds são uma realidade incontornável, e ninguém quer que eles passem a ser cidadãos israelitas.
Os Montes Golã têm de ser devolvidos à Síria, com a contrapartida de esta deixar de apoiar o Hezbolá. 
Um eventual ataque de Israel ao Irão foi descrito como megalomania e falta de noção de realidade. O assunto deve ser deixado à comunidade internacional.
A doutrina de defesa Israelita é baseada, desde 1948, na teoria de que a ocupação de cada colina, de mais um metro de deserto é fundamental para a defesa e sobrevivência da nação. Olmert afirma que ninguém acredita realmente que isso faça alguma diferença para a segurança de Israel. Cada nova ocupação acaba por gerar novos problemas (ver guerras de 48, 56, 67, 73, 82).

Olmert continua a funcionar como primeiro ministro interino, até o seu sucessor formar um governo de coligação. O que quer dizer que não tem poder para fazer o que afirma achar que deve ser feito, depois de ter andado a fazer outra coisa quando tinha esse poder. 

A direita Israelita já veio dizer que estas afirmações são irresponsáveis e ameaçam a própria existência do estado de Israel. 
Os palestinianos, esses, aprovam as palavras. Mas eles sabem melhor que ninguém a diferença entre palavras e actos. E fazem, talvez, a mesma pergunta que ocorre a boa parte das pessoas que vêem esta notícia: 
Agora é que ele ganha uma consciência?

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Palin '08



Depois de Bush, Sarah Palin quase que parece uma escolha segura para vice de um candidato de 72 anos com sérios problemas de saúde. 
Mas não é, realmente. Ao escolhê-la como parceira na corrida à presidência, McCain (que a semana passada ainda dizia que a economia americana estava em grande forma) mostra mais uma vez que é uma escolha errada simplesmente porque faz as escolhas erradas.

Este Palin é que ele devia ter escolhido. 

Os 77 aceleradores de partículas


A crise em Wall Street fez guerras e eleições presidenciais passarem para segundo plano, pelo menos por uns tempos. Já só se fala mesmo do bailout das financeiras americanas. 

A escolha da palavra Bailout é esclarecedora. Bail é a fiança que um suspeito tem de pagar para se manter em liberdade até ao julgamento. Bailout é o acto de pagar essa fiança, isto é, de tirar alguém da cadeia para poder colocar a sua vida em ordem antes de ser preso, ou ilibado, de vez. Mas este bailout é diferente: a ideia é tirar os prevaricadores da cadeia, dar-lhes dinheiro pelo inconveniente e deixar o crime por punir. Bailout aqui é código para "safar de apuros escapando a um castigo merecido".

O bailout de que tanto se fala é um pagamento feito pelo estado, com dinheiro dos contribuintes, para safar alguns investidores da sua propria irresponsabilidade. 
Mas este bailout não é do sistema financeiro, é dos investidores. Não resolve nenhum problema excepto o deles, retirando-lhes todas as hipotecas "tóxicas" de cima, deixando-os vivos para especular mais um dia. Eles querem garantir que Wall Street continue a fazer dinheiro nem que seja às custas do resto da economia.

Os investidores e políticos que criticam a intervenção do estado na economia e defendem a desregulamentação do mercado e do sistema financeiro são os mesmos que agora afirmam que o estado tem de intervir para os salvar da desregulamentação do mercado e do sistema financeiro. Caso contrário, arrastam a economia para baixo com eles e vai ser tudo ainda pior. 

A economia americana vai precisar de uma correção mais cedo ou mais tarde. Quanto mais tarde for, pior vai ser a pancada. A última coisa de que eles e o mundo em geral precisavam agora é de um aumento da dívida pública da ordem dos 700.000.000.000$00. 

O projecto do CERN, foi muito criticado pelo seu custo exorbitante. O esforço financeiro de construir o gigantesco acelerador de partículas parecia excessivo e megalómano. 
Mas o retorno do investimento podia ser a descoberta de como era o universo no começo, ou mesmo de como o universo começou. Visto desta maneira, não parece assim tão mau negócio. 

O bailout de Bush dava para construir 77 aceleradores de partículas. 
O retorno desejado para todo este dinheiro? Acalmar a histeria de um mercado desregulado e desgovernado, por uns tempos. O resultado indesejado, mas mais provável: o adiar de uma solução para o problema e uma licença para continuar a agir de forma predatória e irresponsável. Afinal, eles sabem que são tão importantes que o governo tem de os salvar.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Uma oferta que eles não podiam recusar


Desde que Bush apareceu em cima de um porta-aviões com uma linda faixa em fundo a dizer Mission Accomplished que a ocupação do Iraque tem sido uma tragicomédia de erros, desinformação e oportunidades perdidas. 
Tropas insuficientes, prioridades trocadas, corrupção, incompetência e um número de danos colaterais que, dependendo de com quem se fala, pode já ter chegado aos 100.000 civis iraquianos, para não falar de milhões de deslocados e mais de 4.000 soldados americanos mortos.

Depois, chegou o General Petraeus, a quem os políticos e comentadores americanos se parecem referir sempre num tom de quase reverência. A sua estratégia, apelidada de Surge alcançou o impossível em tempo recorde. O Iraque não é nenhum mar de rosas, mas também já não é o banho de sangue de há alguns meses atrás.
Até Barack Obama, numa incompreensível inversão de posições, já afirmou em público que o Surge de Petraeus teve um sucesso absolutamente inesperado.

Tudo seria muito lindo se fosse verdade. As tácticas da Al-Qaeda no Iraque, e a reacção das milícias da maioria xiita, alienaram a maioria dos iraquianos sunitas. 

Um acordo foi firmado com as autoridades americanas. Os terroristas impiedosos e impedernidos tornaram-se nas milícias de protecção dos cidadãos de hoje. E a primeira coisa que fizeram foi dar caça aos operativos da Al-Qaeda, enquanto o Surge americano, com meios adicionais em homens e material, separava xiitas de sunitas. O Irão também interveio, dando um contributo significativo, e nunca admitido, à relativa pacificação dos xiitas. 
Os inimigos de ontem tornaram-se nos maiores amigos de hoje.

A verdade é que os americanos pagam agora um ordenado a cerca de 90.000 ex-insurgentes Sunitas para eles ficarem sossegados. É como pagar a um ladrão para não nos roubar a casa, como o dinheiro de "protecção" que se paga à mafia porque a alternativa acaba por ser mais dispendiosa, ou dolorosa. O filme favorito do presidente americano já não é o Rambo, é o Padrinho. 

O que é que vai acontecer quando os americanos deixarem de pagar dinheiro de protecção? 

O governo de maioria xiita não quer integrar 90.000 dos seus inimigos sunitas na polícia e forças armadas. Os americanos não querem, nem podem, continuar a pagar para sempre. Quando a situação rebentar, o que vai acontecer inevitavelmente, todos poderão ver o que o tal de surge foi realmente: o momento em que o governo dos Estados Unidos disse "Se não podes vencê-los, compra-os".

McCain só espera que as coisas se aguentem até Novembro.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

O casamento com o meu melhor amigo


O casamento entre homossexuais, nomeadamente do género masculino, é uma coisa hedionda e pecaminosa, uma abominação aos olhos do Senhor. Não é por acaso que os homens homos são chamados de sodomitas. Sodoma era uma cidade tão pecaminosa que Deus a destruiu com todos os seus habitantes.
Mas ganhou uma segunda vida como nome de uma prática bastante popular entre homens e mulheres, de todos os sexos. Tão popular, na verdade, que é um dos grandes mistérios da Bíblia que Deus se tenha encarniçado tanto contra esta cidade e a sua vizinha Gomorra.

O que é que Sodoma tinha de tão especial?
Se fosse apenas a sodomia, Deus não teria deixado a Grécia sobreviver ao período clássico e não haveria uma coisa chamada civilização ocidental.
Algo de pior se passava em Sodoma. Seria abuso de menores? Pouco provável: o sexo entre homens maduros e rapazinhos era quase uma instituição na Grécia antiga. E há muito padre que não é menino de coro. Mas gregos e Igrejas foram poupados à ira divina.

Será que os habitantes de Sodoma eram bestiais?
O sexo com animais não seria razão para os matar a todos e destruir a cidade. Afinal, Deus sempre mostrou uma certa predilecção por pastores, e estes sempre tiveram uma certa predilecção por ovelhas. E depois, o que é pior: comer o cordeiro de Deus enquanto está vivo ou matá-lo para fazer um assado?

A única explicação é que a ideia de que alguém, algures, se está a divertir mais do que nós sempre fez impressão às sociedades patriarcais do médio oriente. O sucesso que eles tiveram na exportação da sua moralidade determina que, 2000 anos depois, o casamento homossexual escandalize e polarize tanta gente. Em vez de se preocuparem tanto com pessoas que querem casar mas por acaso são do mesmo sexo, deviam preocupar-se antes com a quantidade de heterossexuais que se anda a divorciar por tudo e por quase nada.

Só sou contra o casamento homossexual com separação de bens.
Se dois moços (ou duas moças, não sejamos sexistas) resolvem juntar os trapinhos, ao menos que o façam a sério, com comunhão de bens, total ou de adquiridos. Ou será que querem o direito ao matrimónio para depois fazerem como esses casais de inclinações heterossexuais, que tomam a precaução de casar com separação de bens já a pensar no dia do divórcio?

O sodomita entusiasta não deve casar só porque quer levar mais benefícios fiscais para casa, ou ter mais facilidade em pedir um empréstimo bancário. Se ele não acredita nos valores sagrados da família, mais vale não dar o passo e continuar a viver em pecado.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Jon Stewart, 11 de Setembro de 2001


Jon Stewart é um comediante que, por vezes, é levado demasiado a sério. Mas raramente pelo próprio. Como ele está sempre a dizer, The Daily Show é só um programa de notícias a fingir. Que para muita gente seja o melhor e mais fiável serviço informativo da televisão americana diz muito sobre o triste condição de retransmissores de verdades oficiais em que a maior parte dos meios de comunicação actuais se tornou.

Gostem ou não do Daily Show, num dia em que ninguém estava com vontade de rir, Jon Stewart foi trabalhar. O resultado: a mais emocionada, comovente e convincente defesa do modo de vida americano, no dia em que esse mesmo modo de vida sofreu um dos piores ataques de sempre. Por estas e por outras é que, por uns tempos, fomos todos americanos.

8 minutos de Jon Stewart, e da América, no seu melhor. Para o pior podem ir aqui.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

O flagelo de Deus



O creacionismo, por estes dias disfarçado como design inteligente, usa o coisinho acima, o flagellum, como prova provada de que existe uma inteligência superior que determina a forma de todas as coisas.

O argumento é que um apêndice locomotor de tamanha complexidade, no qual cada parte é essencial ao movimento do todo, não poderia ter evoluído naturalmente. Nalgum ponto da sua existência, Deus (se bem que o Seu nome nunca é invocado) interveio para dar uma forma de locomoção às bactérias, e colocar Darwin no seu lugar. A conclusão: se a evolução não aconteceu neste caso, então tem de ser posta em causa em todo o lado.

Os creacionistas dizem sempre “Teoria da evolução”, com todo o enfâse na palavra teoria. Para eles não passa de uma abominação, mas como não querem parecer religiosos fanáticos que interpretam a Bíblia literalmente, tudo o que propõem é que as escolas ensinem as teorias alternativas nas aulas de ciência. “Ensinem a controvérsia”, dizem, como se a pseudo-ciência do design inteligente estivesse no mesmo plano da ciência da evolução.

Numa época em que até igrejas como a Católica reconhecem a teoria da evolução como cientificamente provada (o que não coloca em causa a existência de um Criador), o país mais rico e tecnologicamente avançado do mundo não só continua a discussão ciência vs creacionismo, como este último parece estar a ganhar cada vez mais adeptos.

Cerca de 45% dos americanos acreditam que Deus criou os seres humanos mais ou menos como são hoje, nalgum momento nos últimos 10.000 anos, um número muito superior ao da generalidade dos países europeus (sim, também temos muito disto).

Toda a gente tem direito a acreditar no Deus, ou deuses, que quiser, desde que não comece a raptar crianças recém-nascidas para rituais satânicos. Mas os creacionistas querem sair das salas de Religião e Moral e entrar nas salas de biologia. Querem substituir ciência por crença, passar fé por facto e trocar educação por doutrinação.

Com os dois candidatos à presidência americana a clamarem aos quatro ventos o seu amor incondicional a Deus (recentemente adquirido ou não), não é de prever que os Estados Unidos se livrem tão cedo deste flagelo.

p.s. A teoria da evolução também explica o flagellum. Só não explica mesmo os creacionistas. Talvez eles devessem usar a sua incapacidade de evoluir como argumento.

Lembram-se de quando éramos jovens?



Richard Wright não era a estrela dos Pink Floyd, como era Syd Barrett antes de fritar o cérebro, ou Roger Waters antes de bater no muro ou mesmo David Gilmour. Mas Richard Wright, teclista e membro fundador, era a alma da banda e a eminência parda que tornava o seu som tão característico e inovador (há muitos, muitos anos atrás). 
Os Pink Floyd souberam fazer Wish you were here e Shine on you crazy diamond em homenagem a um dos seus membros falecidos. Mas já não têm o talento para homenagear Richard Wright como ele merecia. Entre outras razões, porque já não tem Richard Wright. Fica o lamento.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

O amigo do meu inimigo


Os Estados Unidos são inimigos da Al-Qaeda, que é inimiga do Irão, que é inimigo dos Estados Unidos, que são inimigos dos xiitas iraquianos, que são inimigos dos sunitas que são apoiados pelos Sauditas, que são aliados dos americanos, que pagaram aos sunitas iraquianos, ex-aliados da Al-Qaeda, para atacarem antes as milícias xiitas, que controlam o governo iraquiano que é aliado da América e próximo dos Iranianos, que são inimigos dos Taliban, que são apoiados pela secreta paquistanesa e pela Al-Qaeda contra o governo afegão, que é aliado dos Estados Unidos na luta contra Osama Bin Laden, que se refugia no Paquistão, que é um aliado dos americanos, que são aliados da Índia, que é inimiga do Paquistão. 

O amigo do meu inimigo é o quê, ao certo?

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

As virgens e os suicidas


O Alcorão promete houris de belos olhos aos guerreiros que morrem em defesa do Islão. De acordo com teólogos de vocação mais contabilística, 72 virgens estão em modo de espera nos Jardins do Paraíso, prontas para receber o falecido herói da fé. O que acontece depois depende da noção de paraíso que cada um tem.

O Alcorão também promete todo o fogo e torturas do Inferno aos suicidas e uma recepção igualmente calorosa e definitiva para os assassinos. Simples, claro e directo. 

Mas não há nada como a criatividade tortuosa e o cinismo de um teólogo de moralidade duvidosa para convencer centenas de jovens desesperados a cometerem suicídio pelo Islão. 

O argumento que eles apregoam é, também ele, muito simples: se houver outra maneira de provocar danos ao teu inimigo, o suicídio está errado. Mas quando se defronta as maiores potências militares mundiais, como os Estados Unidos, Israel ou o Reino Unido, a assimetria de meios militares é tão grande que o suicídio é promovido a martírio e passa a estar inteiramente justificado. E o inferno é trocado pelas tais 72 moças. 

Claro que o erudito teólogo que apresenta o argumento nunca veste um colete com alguns quilos de explosivos antes de subir para o autocarro. A sua missão de arranjar novos mártires para a causa é demasiado importante.

Mas há uma coisa que fica por cobrir: as bombistas-suicidas. Uma mulher nos Territórios Ocupados ou em Gaza pode estar tão deseperada como um homem, ou mais, e ver o martírio pirotécnico como um estilo de morte aspiracional.
O que levanta um problema: se, como diz o Alcorão, homens e mulheres são iguais aos olhos de Deus, os resultados do martírio deveriam ser semelhantes. 

Mas para um recrutador religioso, dizer a uma rapariga que tem 72 mocetões à sua espera no Paraíso pode ser um assunto bastante delicado. 

O futuro do terrorismo talvez esteja no bombismo paralímpico. 
Se um bombista suicida inspira terror, o que pensar de seres humanos que estão dispostos a usar pessoas com deficiências mentais como portadoras de bombas detonadas por controlo remoto? Ao menos não lhes prometem nada.

Falta referir as crianças bombistas, que também as há. 
Se disserem a um miúdo de 9 anos que tem 72 virgens à espera, ele é capaz de não pensar duas vezes e fugir a 7 pés para o pé dos amigos. Talvez lhes andem a prometer um paraíso repleto de Nintendo Wii, XBox e Playstation III, com 72 jogos por estrear. Até eu caía nessa.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

O mundo não acabou, hoje


O CERN foi activado hoje, às 8 e meia da manhã. Num esforço para descobrir a causa de todas as coisas, a começar pelo Big Bang, partículas sub-atómicas foram disparadas no interior de um imenso acelerador de partículas subterrâneo com 27km de circunferência. 

O que estava em causa? De um lado, o consensual, a possibilidade de descobrir os segredos da origem e evolução do universo. Do outro, o alarmista, a possibilidade da criação de um buraco negro capaz de destruir o planeta Terra numa reacção em cadeia incontrolável.

Como já passa da hora do almoço, seria de supor que os cientistas mais pessimistas, ou cautelosos, estivessem errados. Mais uma vez, o planeta ficou a salvo dos seus habitantes.

Quando testaram a primeira bomba atómica, muitos cientistas também receavam de que o fenómeno da fissão nuclear, uma vez iniciado, desencadeasse uma reacção que destruiria o mundo. O teste foi realizado de qualquer maneira, o mundo não acabou e a era nuclear começou, anunciando um mundo novo de possibilidades infinitas para a raça humana, e a doutrina da Destruição Mútua Assegurada.

Quanto ao acelerador de partículas, com os seus protões excitados e os seus cientistas ainda mais, talvez seja melhor não começar a celebrar o sucesso desde já. É que ainda não escapámos desta: eles só aceleraram partículas num sentido. A colisão de partículas sub-atómicas a velocidades próximas da velocidade da luz que gerará partículas que não existem desde o princípio dos tempos revelando o que aconteceu quando o universo foi criado, ou não, é lá mais para finais do Outono. 

Partículas sub-atómicas colidem com a Terra, e umas com as outras, todos os dias, sem que venha daí daí algum mal. O que causa receio a muita gente é que, agora, sejam humanos que o estão a fazer. 

A fé na ciência não é tão forte como o medo do desconhecido.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Os meios de repetição


Abram um jornal de hoje e verão as notícias de ontem. Liguem a televisão hoje e verão as notícias do jornal de amanhã. Mas se querem realmente saber o que vai ser noticiado nos canais de televisão e jornais portugueses, vejam sites de notícias estrangeiros.

Esta afirmação pode ser injusta para os jornalistas que continuam a procurar fazer o seu trabalho, contra tudo e contra todos. 
Mas é uma descrição exacta desses meios que cortam nas despesas cortando na sala de redação, substituíndo jornalistas a sério por hordas de estagiários mal pagos, cuja função é navegar na net há pesca de notícias para depois as traduzirem, muitas vezes com erros, incongruências ou asneiras de quem não domina completamente a língua de Shakespeare ou é ignorante e não percebeu do que é que eles estavam a falar.

O fim do jornalismo de investigação é o triunfo do jornalismo de reprodução. Os repórteres já só reportam. O ónus da reflexão e da interpretação passou do transmissor para o receptor. 

A única excepção a este triste estado de coisas parece ser o jornalismo desportivo, que possui uma capacidade quase milagrosa de gerar conteúdos sobre futebol até quando não há futebol a acontecer. E basta ler um ou dois artigos para perceber que são escritos por pessoas que sabem realmente do que estão a falar. 

Infelizmente, o futebol não é coisa que me fascine, e o triste espectáculo da política portuguesa (que mais ninguém no mundo parece notar ou noticiar, logo, ainda requer algum trabalho jornalístico), também não.

Para saber o que se passa lá fora, prefiro fazer o que os "jornalistas" cá de dentro fazem: jornalismo de navegação. 
Assim sempre me antecipo um dia ou dois e não tenho de perder tempo a tentar perceber que raio de coisa estaria escrita no original da notícia mal traduzida que tenho à frente.

Que futuro têm os jornais se hipotecam a sua capacidade de gerar conteúdos e apenas reproduzem a informação de meios mais rápidos do que eles?

A propósito, quanto tempo mais durarão os sites de jornais que dão notícias de graça? 
Perdem leitores nas edições de papel e não ganham nada com os leitores da edição digital. As receitas da publicidade nos sites não são e nunca vão ser suficientes para pagar as despesas de operação, muito menos para dar lucro. 
Se começam a cobrar, as pessoas vão a outro site: "porque é que havemos de pagar se podemos ter de graça?"  E há sempre um site mais além que não cobra nada, ou que se limita a ir buscar os conteúdos a outros sites e não tem de pagar a ninguém para pensar. 

Há uma resposta? 
Pergunta o gestor com visão de futuro: "Quanta gente ainda ficou por despedir na sala de redação? 

Futurologia


Qual será o próximo passo no aquecimento da pequena guerra fria? 
O Nagorno-Karabakh é uma boa possibilidade. Esta terra cujo nome significa a mesma coisa em duas línguas diferentes (o que é precisamente o seu problema), vive há anos num estado de independência de facto, não reconhecido por nenhum outro país. 

Este enclave, de maioria arménia, já procedeu à habitual limpeza étnica,  desalojando cerca de 800 mil azeris, e ainda conquistou alguns territórios adicionais, passando a estar ligado à vizinha e apoiante Arménia em vez de estar rodeado de Azerbeijão. Este último, rico em petróleo mas pobre em eficácia militar, tem agora todo o direito de recuperar o controlo da região, tal como a Sérvia de recuperar o Kosovo ou a Geórgia de recuperar a Ossétia do Sul e a Abkházia.

O problema é que a Rússia é defensor e aliado tradicional da população cristã da Arménia.
E é por isso mesmo que um reacender deste conflito seria uma oportunidade para os americanos se vingarem dos russos pela derrota do seu vassalo georgiano. 

Apoiando e armando o Azerbeijão e incentivando-o a recuperar os territórios perdidos, conseguiriam minar a autoridade russa na região. Muu ha ha ha. Será por acaso que Dick Cheney começou a sua visita ao Cáucaso e Ucrânia com uma escala no Azerbeijão? 

Talvez seja. Talvez ele precisasse mesmo de falar, como fez, com alguns executivos locais da Exxon e outras multinacionais do petróleo. Talvez esta teoria da conpiração não passe de uma conjectura sem fundamento. 

Esperemos que sim. Afinal, não tenho nada contra o Azerbeijão. E eles já devem ter aprendido, às custas da vizinha Geórgia, como é perigoso fiar-se no poder distante da águia americana quando se tem um urso à porta de casa.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Voice Over: Hal Douglas



Ainda a propósito da morte de Don La Fontaine, um trailer que é uma demonstração brilhante do estilo que a "Voz de Deus" tornou seu, e de que Hal Douglas é um dos expoentes máximos.

A paródia inspirada pode ser a forma mais sincera de elogio.

Voice, over: Don La Fontaine 1940-2008



Com a locução de mais de 5.000 trailers ao longo da sua carreira, Don La Fontaine era aquela voz única que nos apresentou milhares de filmes. 
O primeiro a saber brincar com o seu estilo inconfundível, é também o locutor mais imitado e parodiado de sempre. Ou como o próprio diria, no seu jeito muito peculiar:

Num mundo, onde os locutores eram vozes anónimas.
Num tempo, que raramente ultrapassa os 2 minutos.
Um homem, uma voz, criou o seu próprio estilo.
E marcou gerações de cinéfilos.


terça-feira, 2 de setembro de 2008

Nisto é que somos bons


Os cartazes estão por todo o lado. Homens e mulheres, atletas, olham para a câmara, directamente. O olhar é duro, decidido. O título proclama, triunfante, "Nisto é que somos bons". 

Isto sim, é gente que não tem medo da concorrência, que não receia estádios cheios, que se sente em casa na alta competição, que salta da caminha ao primeiro sinal da alvorada. Os outros tipos, os que se abarbataram a umas férias pagas nas Olimpíadas, não valiam nada. Os Jogos Paralímpicos estão a chegar e agora é que vai ser.

Os atletas que foram aos Jogos Olímpicos de Pequim, depois dos habituais quatro anos de esforços e sacrifícios, sem apoios, sem dinheiro e sem cobertura mediática, também viveram um momento em que eram os maiores e até faziam anúncios. Eram todos bestiais e iam voltar cheios de medalhas.

Depois, aconteceu o mesmo que a todos os outros países: alguns tiveram bons resultados, mas não chegaram às medalhas. Alguns ganharam medalhas. Alguns fizeram declarações infelizes. Para alguns, chegar às Olimpíadas foi suficiente. Se calhar, até houve um ou dois que nem mereciam lá estar.

A forma como a delegação olímpica passou de bestial a besta e depois, em três pulinhos, a bestial outra vez é muito portuguesa. A forma como o presidente do comité olímpico português anunciou a demissão para depois voltar atrás, também.

Podia ter sido melhor? Certamente. E podia ter sido muito pior. Ao menos não acabaram a competição a dar porrada aos árbitros, como costuma acontecer com a nossa muito apoiada e mediática selecção de futebol sempre que é eliminada de uma competição importante.

Os nossos atletas paralímpicos (e os dos outros) merecem toda a admiração que recebem. O que não merecem é que se comecem a construir à volta deles as mesmas expectativas exageradas que acompanharam o voo da delegação olímpica portuguesa até Pequim, e a sua posterior descida à terra.

Acima de tudo, não merecem fazer parte de uma campanha publicitária ressabiada que achincalha e diminui os atletas que foram à China antes deles.

Nisto é que somos bons: a criar expectativas pouco razoáveis e a crucificar as pessoas que não se mostram à altura.