sexta-feira, 27 de junho de 2008

Os sul-africanos é que têm sorte


Hoje realiza-se em Londres um concerto de celebração dos 90 anos de Nelson Mandela, uma tradição que remonta ao tempo em que o grande homem ainda era o preso político mais famoso do mundo.

Se há político vivo que mereça ser celebrado é ele.
Por tudo o que fez, apesar de tudo o que lhe fizeram, e por tudo o que não fez nem deixou que fosse feito, quando se tornou presidente.

As desigualdades do apartheid deram lugar a outro tipo de desigualdades e a África do Sul está muito longe de ser um país perfeito. Mas basta imaginar o que podia ter acontecido para reconhecer a importância do factor Mandela no sucesso de uma transição que foi largamente pacífica. E quando acabaram os seus dois mandatos constitucionais, Nelson Mandela retirou-se, com a sua reputação e o seu país intactos.

Basta olhar para o vizinho de cima para ver como os sul-africanos foram afortunados. É que hoje é dia de eleições no Zimbabué, o mais recente desastre político, económico, social e humanitário africano.

Há refugiados nas ruas da África do Sul com cartazes a dizer "Ajudem um Bilionário", sentados em maços de notas que começam a valer menos do que o papel em que foram impressas. O ex-celeiro da África Austral é forçado a receber ajuda alimentar do exterior. Os opositores políticos são perseguidos, agredidos e mortos pelas ruas.

A culpa? É de toda a gente menos do presidente que, segundo palavras do próprio, só abandona o poder se Deus quiser.
Às suas vítimas só resta colocarem as esperanças numa intervenção divina, uma coisa do género relâmpago que cai dos céus, enfarte do miocárdio ou tiro de caçadeira. Mas Mugabe sabe que Deus nunca prestou muita atenção ao que se passa em África.

Mandela também o sabia. Foi por isso que colocou as suas esperanças nos homens.

terça-feira, 24 de junho de 2008

Apanhados na margem ocidental


Se um palestiniano é espancado por colonos israelitas mas ninguém vê, será que ele foi mesmo espancado? Sim, mas não tem importância. 

Não vai aparecer nos noticiários, os responsáveis não sofrerão quaisquer consequências e a descrição do sucedido será sempre precedida pela palavra "alegadamente" ou a frase "segundo fontes palestinianas não confirmadas", duas formas corriqueiras de desacreditar informação antes mesmo de a transmitir.

Os espancamentos de palestinianos nos Teritórios Ocupados são, alegadamente, bastante comuns. Grupos de colonos atacam agricultores ou pastores isolados, forçados a acampar nas suas terras para as proteger dos ditos colonos, segundo fontes palestinianas não confirmadas.

Reconhecendo que uma coisa só acontece mesmo se for gravada por alguém, uma organização israelita de direitos humanos distribuiu recentemente câmaras de video junto de populações palestinianos mais isoladas. 

Dia 8 de Junho, uma jovem gravou parte do espancamento de uns camponeses seus familiares por um grupo vindo de um colonato próximo. A cena ficou cortada devido à compreensível falta de profissionalismo da jovem, que fugiu para ver se o seu filho estava a salvo. Mas foi o suficiente. O problema já existe, já aparece nas notícias e até já conseguiram apanhar os responsáveis.

Quem diria que uns segundos de Apanhados podiam tornar a Terra Prometida num lugar menos mau?

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Cyd Charisse 1922-∞




Nos anos 50, o sexo não podia aparecer no cinema, qualquer cena mais ousada era inevitavelmente cortada. Mas não podiam cortar as pernas a Cyd Charisse. Uma das mais belas criaturas que alguma vez dançou sobre a terra, Cyd entra apenas alguns minutos no melhor musical de todos os tempos, num número, Broadway Melody, que nem tem nada a ver com o resto da história. Mas Singin' in the Rain não seria o mesmo sem ela.

As suas longas pernas, elegância e sensualidade tiveram maior protagonismo noutros grandes musicais como The Band Wagon, mas são aqueles poucos minutos que fazem dela uma deusa. E as deusas do celulóide nunca morrem, ganham novos seguidores com cada aparição.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

A América está de volta


Ou pelo menos o habeas corpus. O Supremo Tribunal dos Estados Unidos, numa decisão de 5 contra 4, começou a lenta restauração das liberdades que fizeram da América o destino de milhões de pessoas e o sonho de muitos mais. E não vai ficar por aqui. Parece que, afinal, a tortura de prisioneiros não é uma coisa aceitável num estado democrático. A prisão de Guantanamo vai ser fechada. Os "combatentes inimigos" vão poder ser julgados em tribunal, e vão ter de ser acusados, finalmente, de qualquer coisa. Ou não, que "os piores dos piores", em muitos casos, só são culpados de estar no local errado na hora errada, como o governo por diversas vezes já se viu forçado a admitir.

Com um nível de aprovação mais baixo que o de Nixon no seu pior, Bush assiste impotente ao lento desmantelar do seu império do mal. Quando Cheney afirmou, no pós-11 de setembro, que a América tinha de descer ao "dark side" para lutar contra a Al Qaeda, poucos terão suspeitado como as coisas se iam tornar sombrias. 

A maneira como o mundo via os Estados Unidos começou a mudar também. Da solidariedade e apoio incondicional que a América recebeu depois dos ataques de 11/9/2001, quando até os franceses disseram "somos todos americanos", passou a um misto de receio, incredulidade e desconforto. Nos países muçulmanos, no entanto, bastou ouvir Bush falar de uma nova Cruzada para que eles percebessem o que os esperava. 

E porquê? A Al Qaeda é um inimigo tão poderoso que justifique que a América deixe de ser a terra dos livres? Nem por isso. Por muito terrível que o 11 de setembro tenha sido, os terroristas não têm capacidade para acabar com a civilização ocidental ou para derrotar a maior superpotência que o mundo já viu. Mas os políticos têm capacidade para o fazer, usando o terrorismo como desculpa. 
A América não teve de mudar para pior para derrotar a Alemanha nazi ou ganhar a Guerra Fria. Comparar  Bin Laden com Hitler ou afirmar que a Al Qaeda é uma ameaça tão grande como os nazis é ridículo, e é uma mentira cada vez mais difícil de engolir. 

Agora, se Bush não fizer mais nenhuma aleivosia antes de sair pela porta pequena (como bombardear o Irão), o próximo presidente vai poder colocar o comboio da liberdade de volta nos carris. A América está de volta?

terça-feira, 17 de junho de 2008

Paz no Médio Oriente?


Vamos supor que, ao contrário do que os próprios serviços de informação americanos afirmam, o Irão está mesmo a preparar uma arma nuclear. Melhor, vamos imaginar que já tem uma. 

Qual é o problema? 

Israel guarda no seu arsenal, dependendo de com quem se fala, entre 100 a 200 armas nucleares. Possui uma das forças aéreas mais poderosas e modernas do mundo, e tem como principal e fiel aliado a única superpotência do mundo.
O Irão tem uma força aérea com números muito inferiores, aviões desactualizados e mísseis  de alcance relativamente limitado, sem capacidade para transportar ogivas nucleares. Teria também de passar por cima de território ocupado por tropas americanas.

Israel não é um país pequeno e indefeso, é a maior potência militar do Médio Oriente e é a única potência nuclear na região. De que é que eles têm receio? De perder o desequilíbrio do terror.

Neste momento, eles podem destruir o Irão, ou qualquer outro país da região, mas o contrário não é verdade. 
Talvez seja por isso que não há paz no Médio Oriente. Israel é como um daqueles miúdos que aterroriza todos os putos da zona porque é mais forte, com a agravante de ter um irmão mais velho, a América, que nunca lhe puxa as orelhas. A continuar assim, nunca se vai tornar um homenzinho. Mas se aparecer alguém na vizinhança que não se deixa ficar, vai ter de mudar o seu comportamento e crescer um pouco.

Havia um nome para isto, nos saudosos tempos da Guerra Fria: Mutual Assured Destruction (ou MAD, que é curto e mais esclarecedor). 
Foi o equilíbrio do terror que garantiu meio século de paz à Europa. Os americano controlavam os russos e os russos contrariavam os americanos. Alguns países menos afortunados, como a Coreia, o Vietname ou o Afeganistão, serviam para aliviar as tensões de vez em quando, com consequências dramáticas para os indígenas. Mas os dois peso-pesados e os seus vassalos europeus continuavam a sua vidinha relativamente incólumes.  

A MAD funcionava porque os nossos inimigos não eram malucos e nós também não. 
Porque é que partimos do princípio que os iranianos são malucos? Eles sabem que lançar uma bomba nuclear sobre Israel seria o fim de 2500 anos de história persa. Mas os israelitas também sabem que seria o fim de Israel. Eles sabem lidar com o terror, mas têm pavor de lidar com o equilíbrio.

Num mundo perfeito não havia bombas atómicas? Esse mundo perfeito acabou em 1945, depois de 2 guerras mundiais e algumas dezenas de milhões de mortos.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

A terra da oportunidade


Barack Hussein Obama é demasiado negro para os brancos, e meio branco para os negros. O pai era um imigrante do Quénia que abandonou a família, deixando ao pequeno Obama o pior nome que um político americano podia ter. Basta pensar que, apesar de todas as polémicas com o seu antigo pastor e igreja, metade dos americanos continua a pensar que ele é muçulmano, e muitos suspeitam que ele pode mesmo ser um terrorista. Apesar de tudo isto, ele pode vir a ser o próximo presidente dos Estados Unidos.

Barack Obama é muito parecido com um sonho que Martin Luther King tinha. O sonho americano é, finalmente, uma realidade para todos.

Os Republicanos não podiam estar mais satisfeitos. Para a direita americana, se uma pessoa não chega a lado nenhum, não é por causa de discriminação: é porque não se esforçou o suficiente.
Barack Obama é a prova viva de que eles, afinal, tiveram sempre razão. Os negros, hispânicos, asiáticos e outras pessoas de má índole só sabem queixar-se da situação em que vivem mas não fazem nada para a alterar. Chegou o tempo de acabar com a segurança social, a discriminação positiva e outros mecanismos quasi-comunistas que tentam ajudar as minorias a sair do seu ciclo de pobreza.
Este sim, é o tipo de mudança em que um Republicano pode acreditar.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Anti-semitismo aumenta no ocidente


As demonstrações de anti-semitismo são cada vez mais comuns no mundo ocidental. E não se limitam à população em geral, tornaram-se política governamental, são prática policial. 
Os semitas são vistos como sub-humanos, os untermenschen de que falavam os arianos. Uma vez desclassificados desta forma, torna-se mais fácil justificar a maneira como são tratados. 

Pessoas agredidas ou abatidas sem motivo, lugares santos profanados, populações deslocadas, humilhações públicas, tratamento como cidadãos de segunda, prisão sem culpa formada, de tudo um pouco se vê, todos os dias. E não só estas práticas são comuns, como nunca foram tão bem aceites. Afinal, a democracia tem de ser protegida, mesmo a custo das práticas democráticas. 

Claro que nem todos os povos semitas são assim tratados. Os israelitas, por exemplo, praticam mais actos de anti-semitismo que qualquer outro país do mundo, com possível excepção dos americanos no Iraque. O mundo ocidental deu-lhes carta branca para fazerem o que muito bem lhes apetece. Porquê? Porque ninguém se atreve a criticá-los, com receio de ser rotulado de anti-semita. Porque nisto de ser semita, como sabemos, alguns são mais semitas do que os outros.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

O Senhor cuida do Seu


Acontece muito, especialmente na muito católica América Latina: ao procurar sobreviventes de um terramoto, uma equipa de salvamento encontra uma imagem de Jesus, intacta, no meio dos destroços; depois da passagem de um furacão, uma imagem da Virgem, imaculada, é recuperada dum lodaçal. É um milagre. Os adoradores morreram mas as imagens que eles adoram permanecem. Faz tudo parte do Plano. 

Que divindade é egoísta ao ponto de deixar morrer os seus seguidores mais fiéis e praticantes mas salva as imagens que eles veneram? Onde é que anda aquele Senhor que morreu pelos nossos pecados? Aparentemente, a cuidar do que é Seu. 

O mundo pode ter terramotos, deslizamentos de terras, tsunamis, ciclones, o diabo a sete. Mas a casa Dele fica intacta no meio da devastação. Os cínicos poderão dizer que a igreja fica de pé porque a qualidade da construção é superior. Mas para quem acredita, se calhar devíamos era fazer habitações em forma de Nossa Senhora, usar custódias como garagem e mudar para os hábitos de um monge. Afinal, se todas as nossas coisas forem Dele, talvez Ele faça um esforço para não as estragar.

Os deuses são um pouco como certos funcionários públicos, lixam a vida às pessoas só porque podem. Ao contrário da função pública, no entanto, somos livres para procurar soluções noutra repartição. Aleluia, como se diz no médio oriente.