quarta-feira, 9 de julho de 2008

G-18


Os G-8 estão reunidos, mais uma vez, para falar dos problemas do mundo e prometer soluções. Desta vez é no Japão e o tema principal é a crise alimentar global. Como é habitual neste tipo de reuniões, o público normalmente só vê as demonstrações públicas de unidade, e todas as decisões de consequência são tratadas debaixo da mesa. 

Mas este G-8 tornou-se notório logo no primeiro dia pelo que se passou em cima da mesa.

Depois de discutirem a crise alimentar, de apelarem a que as pessoas desperdicem menos e de exprimirem inequivocamente a sua preocupação pela situação, os G-8 dispensaram os líderes africanos (os "token black guy" como dizem nos filmes), que estão lá para fazer figura de corpo presente mas não têm de ficar para jantar.

Uma vez sossegados em companhia do mais selecto Primeiro Mundo, embarcaram numa refeição pantagruélica de 18 pratos, à qual não podia faltar o proverbial caviar e coisas mais exóticas como enguia grelhada enrolada em tiras de raiz de gobo. 
Tudo regado com champagne, saké e 4 vinhos diferentes, e culminando numa sobremesa criada especialmente para a ocasião, baptizada de G-8 Fantasy. A sério.

Ninguém espera que os políticos passem fome, ou que os líderes dos países mais ricos deste mundo se tratem mal ou privem de alguma coisa. 

O que se espera dos políticos, e talvez já seja a única coisa, é que tenham sentido do que é ou não apropriado. Ou que compreendam que sentarem-se à volta desta mesa depois de falarem da fome no mundo é uma obscenidade. 

Dirigentes, assistentes, assessores, consultores, organizadores: ninguém parece ter achado que era má ideia antes do jantar começar. Só perceberam a sua hipocrisia e/ou incompetência quando se viram nas bocas do mundo.

Os organizadores japoneses pensaram em tudo para que não houvesse problemas com activistas anti-globalização, falhas de segurança ou qualquer dos problemas que costumam envolver estas cimeiras. Só se esqueceram de esconder os seus convidados VIP.

Quando os políticos já não se preocupam sequer com a cara que mostram ao mundo, o mundo está em sérios apuros.

2 comentários:

mdsol disse...

Quando não há vergonha na cara....assume-se!
:)

Anónimo disse...

Em sérios apuros, sim senhor!
As evidências são tantas!
Já não há limites, nem bom senso, nem coerência... nem vergonha, claro.
Temo que hoje sejam apenas os interesses económicos a determinar o grau de exigência ética e moral. Vejo com preocupação tornar-se natural que os governos contornem questões essenciais, como a justiça, equidade e liberdade, na prossecução dos seus objectivos económicos(e/ou estratégicos), individuais ou comuns, tantas vezes em clara transgressão de princípios e valores morais indiscutíveis, mas também de normas internacionalmente reconhecidas... isto, perante a apatia generalizada da sociedade civil.
Não admira que os defensores de tais politicas do vale-tudo (ou quase tudo), tantas vezes defendam que cabe à sociedade civil e não aos governos a luta contra as injustiças no mundo - este argumento que ouvi há dias num debate pareceu-me assustador e quase me enraiveceu: não defendo a apatia (ou distracção) das sociedades, nem desvalorizo o seu poder, mas, caramba!, não são os governos democráticos eleitos pela sociedade civil? não são os governos representantes dos seus interesses? e em última análise seus funcionários?
(Peço desculpa pelo tamanho do post mas... era isto ou falar sozinha :)