terça-feira, 15 de julho de 2008

Porajmos


Os ciganos não são de confiança porque são uma cambada de ciganos. Os ciganos são vigaristas, traficantes e criminosos porque são ciganos. Até podemos gostar dos Gypsy Kings ou do Paco de Lucia, mas gostar de ciganos, isso não. 

Para um cigano se tornar criminoso basta ser cigano. Para as outras pessoas, é indispensável uma infância difícil e uma sociedade pouco solidária. Os crimes dos ciganos são motivados pelos genes, os das outras pessoas pelas dificuldades económicas que atravessam. 

Isto não é um fenómeno português: por toda a Europa, ou onde quer que vivam, os ciganos são discriminados ou activamente perseguidos, em maior ou menor grau. 

Na Europa de leste, os governos diminuem os números da sua população nas estatísticas, não vão eles ficar de repente com ideias de que são uma minoria importante e com direitos. 

Na Itália, o governo quer criar ficheiros sobre toda a população cigana, mesmo as crianças, presume-se que para facilitar o trabalho da polícia quando as ditas crianças embarcarem, como é inevitável, numa vida de crime. 

Em Portugal, os acontecimentos de Loures vieram lembrar a toda a gente que os ciganos não são como nós, cruzes, credo, e não passam de uns rufias com muitos primos que aparecem sabe-se lá de onde de arma na mão sempre que há problemas. 

A mulher cigana que morreu à beira da estrada poucos dias, morreu por culpa dela e do marido. Porque eram ciganos e os polícias não iam acreditar em ciganos que, como toda a gente sabe, não passam de aldrabões, capaz de inventar qualquer coisa para se safar. "A mulher está doente? 'Tá-se mesmo a ver." Viu-se.

O que me leva ao título. 
Poucas pessoas conhecem a palavra Porajmos. Traduzida, quer dizer qualquer coisa como "a devoração".  É o nome que os ciganos dão ao holocausto. Não o dos judeus, que toda a gente conhece bem, mas o dos ciganos, que também eram considerados untermenschen pela raça superior ariana.

Calcula-se que 220.000 a 700.000 ciganos tenham sido assassinados pela Alemanha nazi, tanto em campos de extermínio como às mãos dos Einsatzgruppen que devassaram a Europa oriental, devorando comunidades inteiras. O simples facto de ninguém saber ao certo quantos morreram diz muito sobre este holocausto esquecido. 

Os ciganos eram (e são) alvos fáceis: são diferentes e vivem em grupos unidos. Fome doença e trabalhos forçados foram as primeiras armas. Os campos de extermínio vieram depois. 

Em Auschwitz-Birkenau, os alemães criaram uma secção separada para ciganos. Quando estes chegavam, vindos de toda a Europa, nem os tentavam separar, como costumavam fazer com outros grupos: tinham menos trabalho mantendo os homens, mulheres e crianças todos juntos. A maioria morreu nas câmaras de gás, pouco depois de chegar.

Já vi documentários inteiros sobre o Holocausto onde os ciganos são referidos apenas de passagem, muitas vezes numa única frase. Como se as suas mortes fossem menos importantes que as dos outros. 

Há judeus sovinas, gananciosos e usurários? Certamente. Mas sugerir que todos os judeus são assim é anti-semitismo. 
Há ciganos criminosos, traficantes, mendigos e mentirosos? Claro que sim, e os atiradores da Quinta da Fonte não passam de rufias. Mas não é preciso generalizar. 

Porquê a diferença de tratamento? Porque a má consciência europeia só sente vergonha, embaraço e arrependimento em relação a um dos povos. É um problema de ralação pública.

Os ciganos continuam a ser um povo sem país, uma minoria à mercê dos governos das terras por onde passam. Um povo a assimilar, para deixar de ser tão diferente. A sedentarizar, para ser mais fácil de controlar. A hostilizar, recear e ostracizar porque, afinal, não passam de ciganos. 

Quando ignoramos o racismo do presente, estamos condenados a repetir os crimes do passado?

3 comentários:

Vera disse...

Gostei!
Gosto de ciganos, dou-me com ciganos.
O racismo faz-me confusão. O racismo disfarçado de "medo dos maus" ainda me faz mais confusão.
Os ciganos têm a minha admiração, sempre!
O teu post também ;-)

mdsol disse...

Pois para mim se o cigano não for urbano nem tiver comportamentos de cidadão não tem a minha admiração. Igualmente para quem não é cigano
Ora bem!
:)

Anónimo disse...

Os ciganos que sairam da Quinta da Fonte têm medo de lá voltar a viver. "É perigoso", dizem, "está cheio de ciganos".