Imaginem uma prisão com cerca de 1 milhão e meio de reclusos, todos condenados a prisão perpétua, todos vivendo com a possibilidade muito real de serem executados a qualquer momento, sumariamente.
Imaginem que a esmagadora maioria destes presos nunca cometeu qualquer crime, excepto o de não ter fugido quando os guardas chegaram e começaram a erguer muros e a ficar com as suas terras. E que a pequena minoria que os fez cometeu apenas o crime de não aceitar o encarceramento, de tentar derrubar os muros e, de vez em quando, de tentar matar os carcereiros que os colocaram na prisão. Sempre que esta pequena minoria tem sucesso e mata alguém, ou não tem sucesso mas é apanhada a tentar, os guardas apresentam ao mundo este novo crime como justificação para continuar a detenção e para agravar as condições de vida de todos os prisioneiros.
Imaginem uma prisão que há dois anos não recebe fornecimentos de energia, comida, remédios. É a nova política prisional para controlar e reduzir o número de presos. Uma vez cortado o fornecimento de todos os bens essenciais à sobrevivência da população, os guardas começaram a usar o contrabando desses mesmos bens essenciais como uma desculpa para novas acções punitivas. A desculpa habitual, de que os prisioneiros devem ser punidos porque continuam a não aceitar a sua condição, começava a parecer aquilo que é.
A Faixa de Gaza é assim, e nem Kafka teria imaginado uma situação mais kafkiana.
Agora, o estado de Israel lança uma nova ofensiva para castigar os palestinianos. Não por estes continuarem a desafiar o seu estatuto de desalojados e sub-humanos (ou untermenschen como diziam os nazis), mas por continuarem a desafiar o estado de Israel.
Desde a invasão desastrosa do Líbano, em 2006, que os israelitas andam ansiosos. O seu invencível exército começou a parecer incompetente, até vulnerável. Mais grave, os árabes, tanto os que vivem sob a ocupação israelita como os outros, parecem ter perdido um pouco do receio que tinham do poder de uma das maiores potências militares do mundo. As desventuras de outra potência ocupante, os Estados Unidos, no vizinho Iraque e no distante Afeganistão também contribuiu para este novo estado de espírito.
Com a sua nova ofensiva em Gaza, Israel procura demonstrar ao mundo árabe que mantém toda a sua capacidade para inflingir perdas desproporcionadas a quem se mete com eles. Como ameaça militar, o Hamas não é sequer comparável ao Hezbolá, mas para exemplo serve muito bem e está mesmo a jeito, encerrado numa faixa de 41km de comprimento por 12km de largura (no seu ponto máximo) que os pilotos de caça-bombardeiros israelitas conhecem como a palma das mãos. Desta vez, assim o desejam os militares/políticos israelitas, a coisa só pode mesmo correr bem. Já estão com um bom avanço: com mais de 200 mortos logo no primeiro dia, Israel nunca tinha morto tanto palestiniano de uma só vez. E já lá vão mais de 60 anos de prática.
Porquê agora?
A ONU nunca condenará Israel, façam eles o que fizerem, por causa do veto automático dos americanos. Mas o governo sionista achou prudente aproveitar ao máximo os últimos dias da carta branca que recebeu da administração Bush.
Não é que Obama vá mudar as coisas: ele já fez as juras públicas de eterna devoção ao estado de Israel que todos os políticos americanos são obrigados a fazer. Mas os israelitas ainda não têm a certeza se é mesmo a devoção de um verdadeiro crente ou apenas o oportunismo de um político astuto. Com o nome que tem, Barack Obama não engana ninguém. Ou será que enganou toda a gente?