quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Feliz Ano Novo



Chegamos ao fim de 2008 com 3 guerras muito mediáticas (Palestina, Iraque e Afeganistão) e várias guerras que nem por isso (Darfur, Congo, etc) em curso.

Temos catástrofes naturais e catástrofes feitas pelo homem a ocorrer um pouco por todo o lado, como de costume.

Atravessamos a maior crise financeira anunciada desde a Grande Depressão.

Amanhã, há mais do mesmo.
Mas hoje, nada melhor do que a imagem de uma foca bebé para nos lembrar que o mundo é um lugar de grande beleza, que a vida é preciosa e que o começo de um novo ano é sempre um momento de renovação e esperança. Pelo menos até chegar um caçador com um cacete.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Revolta na prisão


Imaginem uma prisão com cerca de 1 milhão e meio de reclusos, todos condenados a prisão perpétua, todos vivendo com a possibilidade muito real de serem executados a qualquer momento, sumariamente. 
Imaginem que a esmagadora maioria destes presos nunca cometeu qualquer crime, excepto o de não ter fugido quando os guardas chegaram e começaram a erguer muros e a ficar com as suas terras. E que a pequena minoria que os fez cometeu apenas o crime de não aceitar o encarceramento, de tentar derrubar os muros e, de vez em quando, de tentar matar os carcereiros que os colocaram na prisão. Sempre que esta pequena minoria tem sucesso e mata alguém, ou não tem sucesso mas é apanhada a tentar, os guardas apresentam ao mundo este novo crime como justificação para continuar a detenção e para agravar as condições de vida de todos os prisioneiros. 
Imaginem uma prisão que há dois anos  não recebe fornecimentos de energia, comida, remédios. É a nova política prisional para controlar e reduzir o número de presos. Uma vez cortado o fornecimento de todos os bens essenciais à sobrevivência da população, os guardas começaram a usar o contrabando desses mesmos bens essenciais como uma desculpa para novas acções punitivas. A desculpa habitual, de que os prisioneiros devem ser punidos porque continuam a não aceitar a sua condição, começava a parecer aquilo que é. 

A Faixa de Gaza é assim, e nem Kafka teria imaginado uma situação mais kafkiana.

Agora, o estado de Israel lança uma nova ofensiva para castigar os palestinianos. Não por estes continuarem a desafiar o seu estatuto de desalojados e sub-humanos (ou untermenschen como diziam os nazis), mas por continuarem a desafiar o estado de Israel. 

Desde a invasão desastrosa do Líbano, em 2006, que os israelitas andam ansiosos. O seu invencível exército começou a parecer incompetente, até vulnerável. Mais grave, os árabes, tanto os que vivem sob a ocupação israelita como os outros, parecem ter perdido um pouco do receio que tinham do poder de uma das maiores potências militares do mundo. As desventuras de outra potência ocupante, os Estados Unidos, no vizinho Iraque e no distante Afeganistão também contribuiu para este novo estado de espírito. 

Com a sua nova ofensiva em Gaza, Israel procura demonstrar ao mundo árabe que mantém toda a sua capacidade para inflingir perdas desproporcionadas a quem se mete com eles. Como ameaça militar, o Hamas não é sequer comparável ao Hezbolá, mas para exemplo serve muito bem e está mesmo a jeito, encerrado numa faixa de 41km de comprimento por 12km de largura (no seu ponto máximo) que os pilotos de caça-bombardeiros israelitas conhecem como a palma das mãos. Desta vez, assim o desejam os militares/políticos israelitas, a coisa só pode mesmo correr bem. Já estão com um bom avanço: com mais de 200 mortos logo no primeiro dia, Israel nunca tinha morto tanto palestiniano de uma só vez. E já lá vão mais de 60 anos de prática.

Porquê agora? 
A ONU nunca condenará Israel, façam eles o que fizerem, por causa do veto automático dos americanos. Mas o governo sionista achou prudente aproveitar ao máximo os últimos dias da carta branca que recebeu da administração Bush. 
Não é que Obama vá mudar as coisas: ele já fez as juras públicas de eterna devoção ao estado de Israel que todos os políticos americanos são obrigados a fazer. Mas os israelitas ainda não têm a certeza se é mesmo a devoção de um verdadeiro crente ou apenas o oportunismo de um político astuto. Com o nome que tem, Barack Obama não engana ninguém. Ou será que enganou toda a gente?

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Pémio Nobel da Paz, 2009



Uma frota dos Estados Unidos cruza os mares com vasos de guerra russos, esquecendo a nova guerra fria. Navios de guerra chineses e indianos partilham as mesmas águas, colocando de lado as suas disputas fronteiriças. Barcos iranianos navegam junto a navios da NATO sem serem acusados de fomentar o terrorismo.
O que é que pode levar todos estes países a esquecerem as suas diferenças e inimizades, tanto reais como fabricadas,  e a colaborarem para o bem comum? 
Os piratas da Somália. Numa demonstração admirável de igualitarismo e espírito democrático, eles atacam tudo o que lhes aparece à frente, independentemente da raça, credo ou país de origem. Para eles, estamos todos no mesmo barco (ahem), só o valor do resgate é que varia.

Este ecumenismo criminoso levou a uma resposta igualmente abrangente — 11 países da Nato, Estados Unidos, Canadá, França Alemanha, Grécia Espanha, Itália, Holanda, Reino Unido, Dinamarca e Turquia,  mais a neutral Suécia, já têm navios de guerra ao largo da Somália. 

Mas não é só o mundo ocidental que se une contra o flagelo da pirataria: a Índia, a Arábia Saudita, a Malásia, a China, o Irão e a Rússia também enviaram navios para a região. Se acrescentarmos à lista alguns países da zona, como o Quénia, o Iémem e a Etiópia (que nem tem saída para o mar), temos meio mundo a flutuar ao largo da costa da Somália, unido num espírito de amizade e colaboração entre nações como nenhuma seca ou crise humanitária africana (Ruanda, Darfur, Serra Leoa, Libéria, Zimbabué, etc) alguma vez conseguiu gerar.

Por terem unido velhos e novos inimigos numa causa comum, os piratas da Somália são já o candidato natural ao Nobel da Paz do ano que vem. Talvez isso explique o que raio está a fazer a marinha sueca no Golfo de Adém.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Não se metam com a malte



Um navio chinês, o Zhenua 4, foi atacado por um grupo de 9 piratas ao largo da Somália. Com toda a actividade recente que tem havido, o facto já quase não seria notícia, só que esta tripulação não só conseguiu defender-se como, pelos vistos, ainda arranjou tempo para tirar fotografias. Os chineses são mesmo os novos japoneses. 

Durante 4 horas, os 30 tripulantes do navio combateram os piratas com tudo o que tinham, nomeadamente (e revelando um admirável espírito de sacrifício) a sua provisão de garrafas de cerveja. 

Abordados por 7 dos piratas, continuaram a lutar por mais 30 minutos, até os piratas pedirem um cessar-fogo. Helicópteros das forças internacionais chegaram então para os socorrer, quase tarde demais mas mesmo a tempo, como fazia a cavalaria nos filmes do faroeste.

Por falar em cinema, melhor que piratas só mesmo uma tripulação que os combate com sucesso. Ao que parece, o Jackie Chan quer fazer de capitão mas os produtores preferem uma estrela mais jovem como Andy Lau ou Tony Leung.

p.s. já repararam que há imensos americanos com nomes chineses?

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Dá de sola, USA



Muntader Al-Zaidi é o novo herói do mundo árabe, o homem que deu expressão em directo ao sentimento de milhões de pessoas. Um Saudita mais excêntrico até já ofereceu 10 milhões de dólares por qualquer um dos dois sapatos arremessados à cabeça do homem mais poderoso do mundo (até 21 de Janeiro).

Iraquianos (xiitas, sunitas, curdos, pessoas sem nada que fazer) desfilam unidos pelas ruas, de sapato ou chinelo na mão, exigindo a sua libertação, exaltando o seu heroísmo e lamentando a sua falta de pontaria. 
A discussão sobre se ele deve ser libertado ou não aqueceu de tal maneira no parlamento iraquiano que o presidente da assembleia ameaçou demitir-se. Numa demonstração de grande maturidade política, não o chegou a fazer e agora não tem comentários.

Muntader Al-Zaidi está vivo, em larga medida por causa de toda esta comoção. Só não se sabe em que estado está: a família ainda não foi autorizada a entrar em contacto com ele e continua detido sem culpa formada e sem ter sido apresentado a um juiz. Ao que parece, o governo iraquiano não quer que o povo veja como o seu novo herói foi maltratado pelos seguranças (os rumores vão desde ossos partidos a orgulho ferido, com um pouco de tudo o que fica entre os dois). 

A opinião pública sempre foi uma coisa enervante para os regimes autoritários com pretensões democráticas. 
Com os americanos já a dar a corda aos sapatos e poucos amigos internos, Maliki não pode ignorar a opinião pública porque: a) os governos ocidentais acham mal que ele a ignore (o que faria deles apoiantes de um regime não democrático); b) a opinião pública iraquiana vai de AK-47 e RPG para todo o lado e sabe fazer engenhos explosivos improvisados como ninguém. 

O governo iraquiano está de mãos atadas porque ainda tem muito que aprender sobre a verdadeira cultura democrática. Se o caso se tivesse passado numa democracia ocidental, o carácter do jornalista Al-Zaidi já teria sido assassinado publicamente, as suas inevitáveis ligações à Al Qaeda já teriam sido insinuadas há muito, os seus direitos a um julgamento justo já teriam sido anulados pelo seu estatuto de combatente inimigo e as manifestações de rua em sua defesa teriam sido dispersadas pela polícia de choque devido à inevitável presença de elementos radicais violentos entre os manifestantes. 
As ditaduras não têm os mesmos recursos que as democracias para porem os seus cidadãos na ordem. Ou matam ou deixam de meter medo.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

A propósito do zeitgeist ser uma coisa tramada


I'm scared to death that I'm living a life not worth dying for

É a melhor frase do ano e está numa música chamada Red dress, dos TV on the radio
Captura exemplarmente o espírito dos tempos, o sentimento e o dilema de uma geração à procura de um sentido para a vida ou de uma razão para perpetuar a espécie num mundo pós-industrial, pós-11 de Setembro, pós-Bush e pré-Obama, onde até a luz ao fundo do túnel parece contribuir para o aquecimento global. 
Ou não.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

O jornalista suicida



Atirar o sapato a alguém é o pior insulto que se pode fazer no Iraque. Quando as estátuas de Saddam Hussein começaram a cair, em 2003, multidões de iraquianos correram para as ruas para agredir a imagem do seu ditador com o sapato que tinham mais à mão. 
Como Bush já cometeu a proeza de matar mais iraquianos, em nome da democracia, do que o ditador que depôs, a fúria do senhor Muntader Al-Zaidi, na foto, é compreensível. 
A tareia que levou a seguir, enquanto Bush gracejava, na sala ao lado, que a democracia era aquilo mesmo, não foi propriamente surpresa: o novo regime iraquiano partilha da cultura de brutalidade da ditadura que o antecedeu, e não aprendeu nada de bom com a superpotência que o instalou no poder.
Muntader Al-Zaidi, sendo jornalista, certamente sabia que não lhe ia acontecer nada de bom. Mas teve pouco tempo para pesar os prós e os contras, ou para praticar: tanto o primeiro como o segundo sapatos falharam o alvo. É por estas e por outras que Bush só visita sítios como o Iraque e o Afeganistão de surpresa. 
Na melhor das hipóteses, a carreira de Al-Zaidi está morta. Na pior, ele também. A única coisa que o pode salvar é que o seu gesto desesperado e fútil o torne num herói aos olhos dos seus conterrâneos. O governo Maliki, nunca muito popular, não precisa de criar mais um mártir da liberdade de expressão.
Quanto aos sapatos, reacenderam as esperanças da administração Bush de encontrar as armas químicas que justificariam a invasão do Iraque.

Cockpuncher



O trailer do melhor filme de artes marciais que nunca existiu. É a melhor parte de The Onion Movie e é uma espécie de redenção para Steve Seagal.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

O feudalismo acabou na quarta-feira


A ilha de Sark, uma das ilhas britânicas do Canal da Mancha, é o último território europeu a abolir o feudalismo. 
Até à realização de eleições no dia 10 de Dezembro, esta pequena ilha foi governada num sistema feudal clássico, como o que se tornou muito popular entre as classes não populares durante a Era das Trevas.
Entre outros privilégios, o senhor feudal da ilha, chamado Seigneur (por tradição e afectação) era a única pessoa que podia ter pombos ou uma cadela não esterilizada. É uma forma de loucura institucionalizada, mas suponho que seja bom para o turismo.

Com apenas 5,45 km2 e cerca de 600 habitantes, a ilha não tem carros nem aeroporto (nem vê necessidade de os ter). Apenas a obrigatoriedade de mudar o sistema, para ficar em conformidade com a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, levou ao processo democrático em curso. 

Sark reeclama também jurisdição sobre uma pequena ilha vizinha, Brecqhou, que é propriedade dos irmãos Barclay desde 1993. Os milionários britânicos conduzem carros e até um helicóptero na "sua" ilha de 80 hectares, à revelia da lei local, e contestam a autoridade de Sark sobre Brecqhou.

As eleições foram vistas como uma oportunidade para mudar este estado de coisas. Prontamente, a ilha dividiu-se em dois campos: os apoiantes do sistema feudal vigente e a lista dos reformistas, aprovada e apoiada pelos irmãos Barclay com o objectivo de mudar radicalmente as leis da ilha, presumivelmente para poderem conduzir à vontade nos seus 80 hectares.

Resultado das eleições?
1º- 57 candidatos, quase 10% da população, concorreram a um dos 28 lugares de Conseiller disponíveis na nova assembleia: apenas 5 candidatos apoiados pelos Barclay foram eleitos. 
2º- Os irmãos anunciaram o fecho de todos os seus negócios em Sark, incluindo hotéis, lojas, agentes imobiliários e empresas de construção. 100 pessoas, um sexto da população, vai ficar no desemprego pelas suas convicções autocráticas. 

Mas deram uma lição de democracia ao mundo: votem no que quiserem desde que não se metam entre um milionário e o seu Bentley.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

O dia que não mudou o mundo



Antes dos ataques ao Taj e a outros locais de interesse turístico em Bombaim,  o subcontinente indiano assistiu a outro atentado, de grandes dimensões, a um hotel de luxo. A 20 de Setembro, o Hotel Marriott foi atacado por um camião bomba com o já habitual terrorista muçulmano ao volante.

A explosão foi ouvida a 15 km de distância e criou uma cratera em frente ao hotel com mais de 20 metros de diâmetro por 6 de profundidade, tendo a maior parte do hotel sido consumido pelas chamas. O atentado causou pelo menos 54 mortos e centenas de feridos, incluindo pessoas importantes como turistas estrangeiros. Como de costume, a maioria dos mortos e feridos era autóctone.

A diferença é que o Marriott fica em Islamabad que, como o nome indica, é a capital de um país muçulmano, o Paquistão. O que significa que os mortos, paquistaneses, eram tão muçulmanos como o imbecil que os matou ou as bestas que o enviaram. 

Depois dos ataques de Bombaim, políticos ocidentais afirmaram solidariamente: "somos todos indianos", recauchutando o "somos todos americanos" do pós 11 de Setembro. Naturalmente, não apareceu ninguém a dizer "somos todos paquistaneses" depois da devastação em Islamabad. 

Mas esquecem que os indianos não são todos hindus: vivem mais muçulmanos na Índia do que no Paquistão. E esquecem que os extremistas hindus matam tantos muçulmanos (e cristãos também, já que falamos nisso) como os extremistas muçulmanos matam hindus.

Só para lembrar quem as principais vítimas do terrorismo islâmico rezam viradas para Meca.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Sexta-feira negra


Black Friday é o nome que os americanos dão à primeira sexta-feira a seguir ao Dia de Acção de Graças. Tradicionalmente, a data marca o início das grandes promoções de Natal. É a dia em que a contabilidade das lojas começa a sair do vermelho do prejuízo e entra no negro do lucro.

É o maior dia de compras do ano, com os melhores descontos e as ofertas mais irresistíveis. Para os lojistas, uma black friday bem sucedida pode ser uma questão de vida ou de morte financeira. Para muita gente, é a grande oportunidade para comprarem mais qualquer coisa de que não precisam e que não têm meios para ter.

As ofertas são anunciadas de antemão e as portas abrem mais cedo, para maximizar o consumismo desenfreado de uma multidão atafulhada de perú e acicatada até ao frenesim pelo ar desapontado dos sogros durante o Thanksgiving.

Mas esta Black Friday foi especial. Num Wal-Mart em Long Island, um empregado morreu esmagado pela multidão em fúria. Chamava-se Jdimitay Damour e era, ao que tudo indica, um ser humano. Para a multidão, no entanto, era só mais um obstáculo que os separava de um iphone baratinho.

Causa da morte: preços baixos. Nasceu o assassinato por consumismo.