quinta-feira, 27 de novembro de 2008

New York • London • Madrid • Bombaim



Bombaim já não se chama assim: o bombaim era coisa de europeu que não percebe o que lhe estão a dizer. Agora é Mumbai, como dizem as pessoas de lá. 

Tem bairros da lata do tamanho de cidades, tensões entre hindus e muçulmanos e outras coisas que a conservam naquele limbo entre o primeiro e o terceiro mundo de todas as grandes urbes dos países em desenvolvimento.

Mas também é a cidade mais rica da Índia e centro financeiro da segunda maior economia emergente do mundo. Bollywood fica lá, o que significa que é a cidade com que mais de mil milhões de indianos sonha. A cidade tem mais milionários por quilómetro quadrado do que Manhattan e é o motor do triunfo anunciado da economia indiana sobre si mesma.

Mumbai é tudo isto e muito mais. E é por tudo isto que a cidade se tornou um alvo. 

Bem-vindos ao primeiro mundo.

Os piratas satânicos


Os fundamentalistas islâmicos que andam a ver se tomam o poder na Somália (e que têm as proverbiais ligações à Al Qaeda) declararam guerra à pirataria. O motivo? Os piratas atacaram um navio muçulmano.
Destinado a terras infiéis mas carregado com o petróleo dos verdadeiros crentes, o superpetroleiro Sirius Star foi desviado pelos ímpios piratas somalis da sua missão sagrada de sugar divisas ao Ocidente cristão. 
Quando os muçulmanos mas pragmáticos piratas capturam barcos do Iémene, ou de outros portos muçulmanos, não parece ser sacrilégio. O que o Sirius Star tem de especial é que pertence a uma companhia saudita. É dinheiro da Arábia Saudita que está ancorado ao largo de um porto da Somália e eles querem-no de volta. 

O que é perfeitamente legítimo. Usar terroristas para o obter, no entanto, é levar a expressão "o inimigo do meu inimigo é meu amigo" um pouco à letra demais. 

Só quem ainda tem dúvidas de que a Arábia Saudita financia e controla de facto o fundamentalismo islâmico em todo o mundo é que pode estranhar a rapidez com que os islamitas somalis responderam ao apelo dos seus mestres sauditas. Mas a única coisa invulgar no meio disto tudo é a falta de subtileza. 
Ou talvez não: o reino fundamentalista que nos deu Bin Laden, 15 dos 17 terroristas do 11 de Setembro e os Talibãs está habituado a escapar impune.

p.s. Os piratas também.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Perdoar é divino


A Igreja Católica perdoou John Lennon por ter dito que os Beatles eram mais famosos que Jesus Cristo e que o rock ia durar mais do que o cristianismo. Segundo eles, era um rapaz ainda muito novo e deslumbrado com o sucesso. Perdoai-os Senhor, que eles não sabem o que fazem, como se costuma dizer. 
Num assunto não relacionado, um jovem suicidou-se em directo na web, tendo o facto apenas sido comunicado às autoridades 12 horas depois do moço ter parado de mexer. A família não percebe porque é que ninguém fez nada antes, durante ou depois.
Tem importância o perdão da Igreja, anos depois da morte de John Lennon? Fazia diferença se a polícia ou os paramédicos ou alguém tivesse sido avisado do suicídio anunciado? Por vezes, mais vale tarde do que nunca deixa de ser sabedoria popular para se tornar naquilo que é realmente: tarde demais e irrelevante.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Uma nova abordagem



Num gesto de desafio, ou indiferença, aos esforços da comunidade internacional para os deter, um grupo de piratas da Somália capturou mais um navio. E não foi um navio qualquer, é a maior presa capturada por piratas de sempre, Barba Negra e Capitão Morgan incluídos.

O superpetroleiro Sirius Star, transportando mais de 100 milhões de dólares em crude, foi atacado ao largo da costa queniana. Depois de abordado, o navio foi levado para águas próximas da costa da Somália, onde ficará ancorado até o resgate ser pago. Não se receia pelos 25 tripulantes a bordo porque os somalis costumam tratar bem os marinheiros capturados. É só um negócio.

Apesar da sua carga extremamente valiosa (ou por causa dela), não é possível prever quando é que o Sirius Star será libertado. É que os donos são os sauditas da Aramco, e talvez eles não estejam com muita pressa. A OPEC anda há semanas a tentar travar a descida do preço do petróleo. Cortes de produção, ameaças de cortes de produção, nada parecia resultar. A simples captura deste navio, no entanto, levou a uma subida imediata do preço do barril de petróleo.

Se os proprietários conseguirem arrastar as coisas por uns tempos, ou gerar insegurança relativamente a novos ataques, sabe-se lá onde os preços poderão chegar. Quem diria que a solução para os países exportadores de petróleo podia estar mesmo à sua porta, num dos países mais pobres do mundo, sem governo, petróleo ou riquezas de espécie alguma.

E o futuro da pirataria promete. 
Com 329 metros de comprimento e uma tonelagem 3 vezes maior que a de um porta-aviões americano, a visão deste gigante dos mares a ser tomado por somalis em barquinhos com motor fora de borda, debaixo dos narizes de várias marinhas ocidentais, é pelo menos tão inspiradora como a história de Aljubarrota, de David e Golias ou de Tom & Jerry. Os pastorinhos de cabras somalis já sabem o que querem ser quando crescerem.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

A recessão dos mortos-vivos


A economia japonesa tem vindo a perder competitividade devido a um fenómeno tão japonês como o hara-kiri ou os gangsters sem o dedo mindinho: as empresas zombie. 
Estas companhias, ineficientes e afogadas em dívidas, são mantidas num estado morto-vivo graças a injecções periódicas de capital por parte desses cientistas loucos que são os bancos japoneses, para assegurar que o país continua a ter um baixo nível de desemprego. A manutenção destas criaturas no mercado, por sua vez, torna mais difícil o crescimento de empresas vivas e saudáveis, arrastando toda a economia para baixo. 

Como os seus congéneres cinematográficos, as empresas zombies arrastam-se lentamente pelos mercados, devorando clientes e fornecedores que não correm o suficiente ou se deixam encurralar numa casa isolada no cimo de uma colina que, por coincidência, fica mesmo ao pé de um cemitério onde um camião cheio de materiais radioactivos teve um acidente. Ou coisa do género.

Os Estados Unidos sempre criticaram os bancos japoneses por estas práticas de reanimação artificial e pelo efeito pernicioso que têm sobre a economia. Deve dar um certo gozo aos japoneses verem agora um godzilla da indústria automóvel como a General Motors pedir ao governo que o salve da falência com uma injecção de capital dos contribuintes. 
O argumento para salvar a GM é o mesmo que foi usado para salvar a A.I.G., a Fannie Mae ou o Freddie Mac: são grandes demais para que os deixem simplesmente morrer e ser enterrados. A GM é mesmo tão grande que até deu em provérbio americano: o que é bom para a General Motors é bom para os Estados Unidos.
Mas a indústria automóvel de Detroit já recebeu mais do que um bailout do governo, e nunca aproveitou a oportunidade para se actualizar e começar a produzir carros capazes de competir com os europeus e os japoneses. A morte da GM anda a ser anunciada há muito tempo. 

Nada tornaria tão evidente o enterro oficial das "voodoo economics" dos anos Bush como uma General Motors reduzida a companhia zombie. Mas será vantajoso para a economia americana manter artificialmente animado um cadáver em rápida desactualização como a GM? Que tal praticarem um pouco o capitalismo que pregam ao mundo e deixarem a empresa entregue à morte certa da lei do mercado? 
Ou será que vão repetir os erros dos japoneses? Como sabe quem já viu filmes sobre os mortos-vivos, quem se deixa rodear por zombies mais cedo ou mais tarde fica sem ter por onde fugir.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Have a nice dick, o regresso


Pela primeira vez desde que começou a crise financeira nos Estados Unidos, o spam que chega no email deixou de ter mensagens sobre como escapar às dívidas ou resolver os problemas de crédito.

Na verdade, parece que bastou Obama ganhar as eleições para acabar com a grande depressão do spam americano. As boas velhas preocupações com as insuficiências sexuais voltaram, substituíndo as novas preocupações com a insuficiência financeira. 

De um momento para o outro, subjects solidários e compreensivos como “Weakening Male Power?” insinuam uma nova sensibilidade, mais aberta ao diálogo.
Frases como “More diameter, more feeling” revelam uma nova e refrescante perspectiva sobre as formas tradicionais de medir as coisas.
Um título como “Join big size guys community”, claramente inspirado no exemplo de Obama como organizador comunitário, demonstra uma nova cultura de entreajuda, um desejo de criar um mundo onde não importa a cor da pele ou a religião, apenas a dimensão do abono de família.

Mas este retorno à auto-indulgência é temperado por um novo realismo económico. Num sinal de que a vida (ao contrário de certas partes da anatomia) continua dura, as restantes mensagens falam de como obter medicamentos (ler: Viagra e concorrência), ora online ora no Canadá, a preço de amigo.

Com a eleição do primeiro presidente negro, era normal que certas inseguranças relativas ao tamanho do membro viril voltassem a erguer-se. Esperemos que seja tão fácil para Obama mudar a situação económica como foi mudar o lixo do correio electrónico.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Às armas


Apesar de só tomar posse em Janeiro, Barack Obama já começou a resolver a crise económica.
Com o crédito mal desbaratado e sem dinheiro na carteira, as pessoas estão a cortar o consumo na pior altura do ano possível para a maior parte dos comerciantes.

Mas há um ramo de negócio nos Estados Unidos que está a registar uma subida significativa no volume de vendas desde que Obama foi eleito: a venda de armas.

Na verdade, bastou a ameaça de que as eleições iam ser ganhas por um senhor preto chamado Barack, Hussein e Obama, para fazer as vendas disparar. A vitória do candidato democrata só veio reforçar a tendência geral do mercado.

Para os vendedores de armas, o presidente eleito não passa de um socialista que vai tirar as armas às pessoas honestas e estabelecer um estado policial centralizado. Em privado, no entanto, agradecem a Santa Bárbara pela eleição de Obama. É bom para o negócio.

Esta corrida ao armamento doméstico tem a ver com o tradicional receio de que uma administração democrática acabe com o direito de ter armas consagrado na constituição.

Apesar de a campanha de Barack Obama ter afirmado que ele ia manter todos os direitos dos proprietários de armas, podia estar a dizer coisas só para ser eleito. Afinal, ele é um político. Para muitos compradores, trata-se simplesmente de ser cauteloso. Comprar agora antes que acabe, que as leis não têm efeitos retroactivos. O mercado de armas, parece, funciona ao contrário da Bolsa: quanto maior a incerteza política, melhor o negócio.

E depois, há sempre aquele elemento meio alucinado da sociedade americana que acha que um Obama na Casa Branca é um prenúncio do apocalipse, e que é melhor estar preparado para receber as hordas minoritárias que vão destruir tudo o que há de bom, puro e branco (são sinónimos) na América.

Durante a campanha, Barack Obama foi muito criticado por ter afirmado que os americanos têm tendência para se agarrarem às armas e à religião em tempos de adversidade. A bonança na venda de armas revela uma das razões porque ele ganhou as eleições: conhece muito bem o seu eleitorado.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Quando o hábito não faz o narcotraficante


As forças armadas americanas sempre tiveram uma aproximação quantitativa à maneira como se faz a guerra, uma atitude comum em países materialmente ricos e com aversão a baixas. 

No Vietname, o progresso do conflito era medido inteiramente em termos de contagem de mortos: se eles perderam dez e nós perdemos um, ganhámos. 
Naturalmente, esta mentalidade resulta numa certa tendência para inflacionar o número de inimigos mortos num dado combate, para procurar ficar bem visto aos olhos dos superiores. 

O maior problema é que os ditos superiores começam a imaginar que as coisas estão a correr melhor do que na realidade. No final da guerra do Vietname os americanos tinham morto mais de 2 milhões de soldados e civis vietnamitas e tido perdas de apenas 55 mil soldados.

Lembram-se de quem ganhou?

Na Colômbia, o General Mario Montoya, comandante em chefe do exército, apresentou esta semana a sua demissão por causa de um escândalo que está a abalar o país (pelos vistos, ainda é possível chocar os colombianos).

Aparentemente, militares sobre o seu comando atraiam gente pobre dos bairros de lata de Bogotá talvez com a promessa de que iam passar a ter onde cair mortos. Os infelizes eram então levados para as zonas de guerra no norte do país, onde eram abatidos, vestidos com uniformes das FARC e quejandos, e rodeados de algum equipamento militar, como uma ou duas Kalashnikovs, para compor a cena. Depois, era só classificar os massacres como vitória contra o narco-terrorismo, contar as cabeças e enterrar os restos em valas comuns.

A morte recente, nestas circunstâncias, de 11 jovens de Bogotá fez o escândalo vir para as primeiras páginas dos jornais, mas o problema já é tão antigo que as vítimas até têm nome: falsos positivos.
27 oficiais e soldados, incluindo 3 generais, já foram demitidos e estão sobre investigação. Mas é preciso procurar mais alto (ou baixo, conforme o ponto de vista) pelas raízes do problema.

O General Mario Montoya foi treinado nos Estados Unidos da América. Todo o exército colombiano, na verdade, segue fielmente o manual de fazer a guerra das forças armadas americanas. Não surpreende, portanto, que muitos dos subordinados do general, com ou sem o seu conhecimento, tenham começado a pensar em formas de inflacionar os números da guerra a seu favor. É aquela mentalidade de querer mostrar serviço, levada a uma conclusão extrema mas nem por isso desprovida de lógica.

A guerra feita por contabilistas dá nisto.

Pormenor: a CIA e o governo dos Estados Unidos analisam as acções das forças armadas colombianas antes de dar o aval ao fornecimento de auxílio militar e económico, que anda à roda dos 500 milhões de dólares anuais. Eles não deviam saber de nada ou não lhes davam o dinheiro. Pois não?

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Obama Vs McCain face off




Não é por acaso que as eleições foram tão disputadas. Ambos os candidatos revelaram uma agilidade notável, com McCain a surpreender na recta final com uns golpes de rins surpreendentes, especialmente num homem da sua idade.

Para quem já tinha saudades


O filho de um imigrante muçulmano do Quénia, de origens modestas, tornou-se presidente do país mais poderoso do mundo. O sonho americano está de volta, e recomenda-se. 

Pelo menos por uns tempos, a América volta a ser a terra da oportunidade, onde não há limites para o que podemos fazer ou até onde podemos chegar. 

As "massas pobres e oprimidas do mundo, desejando serem livres", já têm outra vez com que sonhar. 

O mundo acordou um pouco melhor hoje, aproveitem enquanto dura.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Missão comprida


Faltam poucas horas para os Estados Unidos da América elegerem o seu primeiro presidente negro, e começarem o longo e doloroso processo de perceber que ele não é o messias.

Ou para o resto do mundo, com um misto de superioridade e pânico, apontar a vitória de McCain como a prova final de que os americanos são o povo mais profundamente bronco da terra.

Espero que Barack Hussein Obama ganhe porque é melhor ter esperança e ficar desapontado do que não esperar nada e ficar agradavelmente surpreendido. E porque se McCain ganhar, vou ter de ir a Fátima rezar para que ele tenha muita saúde nos próximos 4 anos.

De uma forma ou de outra, até que enfim que estas eleições presidenciais chegaram ao fim. Pelo menos durante uns bons dois anos, não voltamos a ouvir falar do longo curso do processo democrático americano.

E o candidato da Al Qaeda é?


Poucos dias antes das eleições americanas de 2004, apareceu um video de Osama Bin Laden no qual o terrorista mais procurado do mundo e homem mais odiado da América dava o seu apoio a John Kerry. O candidato democrata afirmou mais tarde que o patrocínio de Bin Laden tinha sido uma das principais causas da sua derrota eleitoral.

Com as eleições de 2008 à porta, ainda não houve um novo video de Bin Laden dirigido ao público americano, mas uma página web de apoio à Al Qaeda deixou claro que McCain é o candidato favorito.

O site sugeria mesmo um ataque terrorista pré-eleitoral, racionalizando que qualquer ataque seria mais benéfico para o candidato republicano do que para um candidato chamado Obama.

A razão para este apoio é simples: com McCain na presidência, é menos provável que as guerras no Afeganistão e Iraque acabem. Talvez ele até comece uma guerra nova. Para a Al Qaeda, um McCain pouco moderado e ainda menos ponderado, combinado com a fragilidade actual da economia americana, são uma combinação perfeita.

A candidatura de Barack Obama traz consigo a esperança de mudança, do fim da guerra e de dias melhores. E não há nada tão negativo para uma organização terrorista como o nascimento de esperança entre as suas fontes de recrutamento.

Como dizem os candidatos americanos no final dos tempos de antena:
Sou Osama Bin Laden e aprovo esta mensagem.