terça-feira, 16 de setembro de 2008

O flagelo de Deus



O creacionismo, por estes dias disfarçado como design inteligente, usa o coisinho acima, o flagellum, como prova provada de que existe uma inteligência superior que determina a forma de todas as coisas.

O argumento é que um apêndice locomotor de tamanha complexidade, no qual cada parte é essencial ao movimento do todo, não poderia ter evoluído naturalmente. Nalgum ponto da sua existência, Deus (se bem que o Seu nome nunca é invocado) interveio para dar uma forma de locomoção às bactérias, e colocar Darwin no seu lugar. A conclusão: se a evolução não aconteceu neste caso, então tem de ser posta em causa em todo o lado.

Os creacionistas dizem sempre “Teoria da evolução”, com todo o enfâse na palavra teoria. Para eles não passa de uma abominação, mas como não querem parecer religiosos fanáticos que interpretam a Bíblia literalmente, tudo o que propõem é que as escolas ensinem as teorias alternativas nas aulas de ciência. “Ensinem a controvérsia”, dizem, como se a pseudo-ciência do design inteligente estivesse no mesmo plano da ciência da evolução.

Numa época em que até igrejas como a Católica reconhecem a teoria da evolução como cientificamente provada (o que não coloca em causa a existência de um Criador), o país mais rico e tecnologicamente avançado do mundo não só continua a discussão ciência vs creacionismo, como este último parece estar a ganhar cada vez mais adeptos.

Cerca de 45% dos americanos acreditam que Deus criou os seres humanos mais ou menos como são hoje, nalgum momento nos últimos 10.000 anos, um número muito superior ao da generalidade dos países europeus (sim, também temos muito disto).

Toda a gente tem direito a acreditar no Deus, ou deuses, que quiser, desde que não comece a raptar crianças recém-nascidas para rituais satânicos. Mas os creacionistas querem sair das salas de Religião e Moral e entrar nas salas de biologia. Querem substituir ciência por crença, passar fé por facto e trocar educação por doutrinação.

Com os dois candidatos à presidência americana a clamarem aos quatro ventos o seu amor incondicional a Deus (recentemente adquirido ou não), não é de prever que os Estados Unidos se livrem tão cedo deste flagelo.

p.s. A teoria da evolução também explica o flagellum. Só não explica mesmo os creacionistas. Talvez eles devessem usar a sua incapacidade de evoluir como argumento.

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