terça-feira, 28 de outubro de 2008

Crazy 88



Uns moços neo–nazis, Daniel Cowart, de 20 anos (acima) e Paul Schlesselman de 18, conheceram-se na internet e combinaram matar Barack Obama. O motivo, como a família de um explicou mais tarde, era que eles não gostavam de pretos (mas não são maus rapazes). 

O plano deles revela todo o génio de que só um redneck de raça pura do sul profundo da América é capaz: iam aproximar-se do candidato democrata num carro a alta velocidade enquanto disparavam pelas janelas. De certeza que ia resultar.

Mas primeiro, iam assaltar uma loja para arranjarem o arsenal necessário, que o que tinham em casa não chegava. Depois, tencionavam visitar uma escola predominantemente negra e começar a matar alunos, professores e quem mais lhes aparecesse à frente, até chegarem ao número mágico de 88 pretos mortos, dos quais 14 seriam decapitados. Obama era só a cereja em cima do bolo.

Porquê 88?

Porque 8 é código para a oitava letra do alfabeto, o H. Repetido dá HH, que é código para Heil Hitler. Quanto às 14 decapitações, era porque o 14 é o número de palavras duma frase que é um dos credos destes moços "We must secure the existence of our people and a future for white children” escrita por um neo-nazi chamado David Lane que por sua vez se inspirou numa passagem de 88 palavras do oitavo capítulo do Mein Kampf.

Podemos sentir-nos tentados a encontrar algum misticismo, verdade profunda, força obscura, ou o que quer que seja, nestes números. Pessoalmente, o que me surpreende não é o padrão, é eles saberem contar.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

O galo afegão


Nos anos 80, os afegãos tornaram-se a menina dos olhos dos americanos. Invadidos pelo Império do Mal da altura, a União Soviética, eles tinham pegado em armas em condições de enorme inferioridade técnica e conquistado a admiração e apoio de todo o Mundo Livre.

Eram Combatentes da Liberdade contra a opressão comunista, guerreiros de Deus contra o ateísmo soviético. O Afeganistão ia-se tornar no Vietname dos comunistas e até o Rambo lá foi dar uma ajuda, para que não houvesse dúvidas.

20 anos depois, é tudo diferente.
Os combatentes da liberdade são senhores da guerra corruptos e brutais e os guerreiros de Deus são talibãs fanáticos. Mas está tudo na mesma. O país continua pobre e em guerra, a exportação de ópio continua a ser maior fonte de receitas e os afegãos continuam intratáveis.

Agora, é a vez de uma nova superpotência, a América, aprender a lição que não tirou dos livros de história, dos noticiários dos anos 80 ou do Rambo III: é má ideia invadir o Afeganistão.

Anos depois da intervenção da Nato, a Al Qaeda está firmemente restabelecida na terra de ninguém que são as áreas tribais junto à fronteira, a popularidade e eficácia militar dos Talibãs estão a aumentar, as baixas de militares ocidentais já são mais elevadas do que no Iraque e a guerra começa a extavasar para o Paquistão, cujo controlo é o grande objectivo dos fundamentalistas e que é uma potência nuclear notoriamente instável.

Oficias britânicos, que percebem uma coisa ou duas de contra-insurreição, já afirmaram que o problema afegão não tem solução militar. O presidente do Afeganistão (mais precisamente, de Cabul e arredores) já se reuniu discretamente com representantes dos talibãs na Arábia Saudita, o reino absolutista que comete diariamente a proeza de financiar os talibãs e ser aliado dos Estados Unidos.

Os americanos condenam as visões pessimistas dos seus aliados britânicos como derrotistas e prometem que, com mais tropas, vão alcançar a vitória final. Como aconteceu no Vietname, o tempo que eles persistirem neste caminho vai determinar as dimensões finais dos estragos.

Independentemente de quem ganhar as eleições americanas, o próximo presidente vai acabar por ter de aceitar que talvez uma solução diplomática seja inevitável.

Depois dos 7 anos de “não negociamos com terroristas” e de “ou estão connosco ou contra nós” de Bush, os afegãos estão prestes a conseguir o que parecia impossível: pôr um fim à relutância americana em encontrar soluções negociadas para problemas que pode bombardear.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Os extremos tocam-se (sugestivamente)



Stefan Petzner, 27 anos, o sucessor do falecido Joerg Haider, 58 anos, como líder da Aliança para o Futuro da Áustria (BZOe), o partido nacionalista austríaco, confessou em público ser seu amante. A Áustria conservadora (e racista, xenófoba e homófoba, mas adiante) ficou chocada por descobrir que o Futuro da Áustria afinal é cor de rosa.

Há mais:

Pim Fortuyn, o ex-líder  de um partido anti-emigração (especialmente muçulmana) era um homossexual assumido, alegadamente assassinado por um activista dos direitos dos animais por causa dos seus insultos à cultura muçulmana.

Senadores e congressistas republicanos foram apanhados em práticas sexuais aberrantes aos olhos do Senhor. Seja em casas de banho públicas, com quem apareça, seja nos corredores do Capitólio, com os rapazes do serviço de pagens, os políticos apanhados são, invariavelmente, alguns dos homófobos mais entusiastas do partido republicano.

Há qualquer coisa na homofobia de extrema direita que atrai um homossexual ao ponto de querer fazer parte dela. É como um ateu querer ser padre, um rasta tornar-se skin ou um judeu virar nazi. 
Devem ser as botinhas de cabedal.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

El park


Entre San Diego e Tijuana começa uma linha que separa as terras que os mexicanos perderam das terras que conseguiram conservar. Um obelisco assinala o ponto onde uma equipa de agrimensores dos dois países iniciou, 160 anos atrás, a transcontinental tarefa de determinar, exactamente, onde a fronteira ficava.

Hoje, as comunidades dos dois lados da fronteira reúnem-se à sombra do obelisco, numa zona que se tornou conhecida como Friendship Park.

Uma simples vedação assinala a fronteira neste local, dividindo o parque ao meio mas permitindo que as pessoas conversem umas com as outras com uma facilidade que não existe em quase mais nenhum lado da longa fronteira entre os dois países. 

Claro que não são apenas beijos, tacos, saudades e boa vontade que são trocadas no local.

Segundo a patrulha fronteiriça americana, as facilidades de comunicação do parque são outras tantas oportunidades para traficantes e outras pessoas de má índole abusarem da lei. 

A única solução é a solução do costume: querem fazer uma barreira mais a sério, que impeça as pessoas de se tocarem, de preferência com uma zona de ninguém e muito arame farpado para dificultar ainda mais a passagem e ajudar a manter as distâncias.

Como sempre acontece por estes dias, a segurança, seja contra o terrorismo seja contra a a concorrência mexicana no mercado de trabalho, é a única preocupação a ter algum peso. O que importa a vida das famílias que precisam do parque para terem um simulacro de vida em família? A segurança nacional fala sempre mais alto. Ou talvez seja apenas xenofobia mal disfarçada.

Há que manter os mexicanos do lado sul na linha e fazer de conta que as pessoas do lado norte não são mexicanos também, parte de uma comunidade que se vai mantendo em contacto à sombra de um monumento erigido à sua separação oficial. 

Depois de anos de embargo à África do Sul por causa do Apartheid, depois de décadas de conflito com o mundo comunista por causa da Cortina de Ferro, a América está a perder a autoridade moral que tinha e a recorrer às soluções que antes criticava como próprias de regimes opressivos. 

Fazer muros e fingir que não se passa nada do outro lado parece ser a solução para tudo.

Também a europa está dividida entre a necessidade económica de importar 20 milhões de trabalhadores nos próximos anos só para manter a economia em crescimento, e a necessidade política de agradar a um eleitorado crescentemente xenófobo.

Nomes como Parque da Amizade estão destinados a tornaram-se piadas de mau gosto, relíquias de uma época mais ingénua (ou inocente, depende da maneira como vemos o mundo).

Mas é como diz a anedota: 
Se não deixam os mexicanos entrar, quem é que vai construir o muro?

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

É oficial?


A Casa Branca usou o termo recessão pela primeira vez. Edward P. Lazear, o director do Council of Economic Advisers da Casa Branca, usou a palavra Recessão para descrever a situação económica de algumas regiões dos Estados Unidos.

É uma admissão que só faz notícia porque a recusa de admitir que a economia dos Estados Unidos caminha para uma recessão é uma pedra basilar da política económica de Bush. Se não dissermos a palavra e tivermos só pensamentos felizes, a economia cuida de si sem a nossa ajuda.

Não é só na economia que o actual governo americano tenta fazer desaparecer problemas fazendo de conta que eles não existem.

O aquecimento global, por exemplo, apenas ameaça o resto do mundo. Depois de quase 8 anos de negação, só muito recentemente o presidente do país que mais contribui para o problema veio a público afirmar que, afinal, até havia algumas provas de que o aquecimento global estava mesmo a acontecer. Quanto a fazer alguma coisa, terá de ficar para o próximo presidente.

Também só admitiu que as coisas no Iraque não estavam a correr tão bem como o planeado anos depois de toda a gente ter percebido a monumental asneira que a invasão e, principalmente, a ocupação foram.

Fiel a si mesmo, Bush continuou a afirmar que havia armas de destruição maciça no Iraque anos depois de ter ficado provado que nem por isso. Eventualmente, começou a usar outro racional para justificar a invasão (Saddam era mau), sem nunca ter admitido que estava errado.

Afirmou ainda que a América não tortura pessoas e, quando apareceram provas do contrário, redefiniu o que era tortura ou não. A credibilidade dos Estados Unidos como líder do mundo livre nunca mais foi o mesma. 

Não é por acaso que, nestas eleições, se fala tanto em recuperar o prestígio da América no mundo. É mais uma tarefa para o próximo presidente.

Bush lida com o falhanço recusando-se a aceitar que falhou, prosseguindo com políticas e nomeações obstinadamente, muito depois de já terem ficado fora de prazo.

Não era bom que o pior presidente americano de todos os tempos tivesse finalmente razão? Que a economia americana não estivesse a entrar numa recessão e a arrastar a economia mundial com ela?

Era. Mas pensar assim é pensar como George W. Bush.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

A voz do operário


Os políticos americanos (ou todos) passam a maior parte do seu tempo a navegar nos círculos sociais mais rarefeitos. É lá que está o dinheiro, é da sua aprovação e patrocínio que dependem as suas carreiras, são os seus interesses que lhes interessa defender. 

Mas algo curioso ocorre de 4 em 4 anos: os políticos tornam-se homens do povo. Este fenómeno, chamado período eleitoral, é uma parte integrante, embora inconveniente, do processo democrático. 

Eles começam a sentir os problemas das pessoas comuns, os "verdadeiros americanos", como se fossem os seus. A maneira como falam muda, tornando-se mais simples, directa e coloquial (Hillary Clinton até mudava de sotaque conforme o estado em que estava). Chegam mesmo a abandonar os restaurantes de luxo a favor de casas de hamburgers. 

O povo aprecia estes sacrifícios: se o candidato está disposto a esquecer os seus anos de educação superior, se finge pertencer a outra classe social e se está disposto a ficar com o colesterol alto só para ser eleito, é porque é um político dedicado e pronto a servir uma causa maior. 

A grande vantagem de Obama, o seu talento de orador, torna-se assim na sua maior fraqueza: Obama, que não é rico e não teve uma infância privilegiada, é visto como elitista porque se exprime correctamente.

Com Joe, o canalizador, a campanha de McCain viu mais uma oportunidade de fazer o seu candidato-milionário-que-não-se-consegue-lembrar-em-público-de-quantas-casas-tem, parecer próximo das aspirações e desejos da classe trabalhadora. Joe quem?

Joe (o nome de família não interessa porque os candidatos são íntimos dele) é um canalizador que falou com Obama na rua,  uns dias antes do debate, exprimindo os seus receios relativamente ao plano do candidato democrata de aumentar os impostos a pessoas com rendimentos anuais superiores a 250.000 dólares (mais de 185 mil euros).

Acontece que Joe, o canalizador, é também Samuel Joe Wurzelbacher, o pequeno empresário que quer investir num negócio de canalização que pode fazer mais do que esse dinheiro anualmente. O pobre Joe não quer ver os seus impostos subir porque, como a maior parte dos americanos que ganha bem, ele acha que a segurança social, os serviços de saúde, etc, não passam de um complot cripto-comunista criado por pessoas que não querem trabalhar para sugarem dinheiro aos que fizeram algo das suas vidas. 

Ambos os candidatos utilizaram Joe, o canalizador, como exemplo de tudo o que está mal nas propostas do seu adversário: 
Segundo McCain, o negócio de Joe vai sofrer com o aumento dos impostos e ele vai acabar arruinado e a ter de dar os filhos para adopção. 
Segundo Obama, haveria muitos mais empresários como Joe se as pessoas que ganham menos de 250.000 dólares por ano tivessem uma redução nos impostos que pagam actualmente.

O seu nome foi referido 26 vezes. Ao longo de mais um debate monótono e sem surpresas, aprendemos que a opinião de Joe, o canalizador, é a única relevante em todos os Estados Unidos. O candidato que conseguir que Joe vote nele tem a eleição garantida.

Depois da canonização em directo de um (quase) humilde canalizador como voz dos eleitores e símbolo da classe operária, houve tempo para um pouco de humor e leveza. No dia seguinte, num jantar de caridade com a presença dos dois candidatos, McCain divertiu a audiência afirmando que os impostos de Obama não vão afectar Joe porque o canalizador tinha acabado de fechar um contrato lucrativo para cuidar das suas 7 casas. E dizem que os políticos não são divertidos. 

Quanto a Samuel Joe Wurzelbacher, deve estar ansioso pelo 4 de Novembro para poder regressar ao seu anonimato de fuga aos impostos e trabalho de canalizador sem licença. 
E para redescobrir o conforto de passar mais 4 anos sem ter de se preocupar com o que é decidido em seu nome. 

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Esta política energética é uma poda


Nas avenidas novas, em Lisboa, vi uma árvore perfeitamente saudável ser derrubada porque estava a fazer sombra a um parquímetro.

Faz sentido: o painel solar está lá para proteger o meio ambiente.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

A laska


Quando conheceu Sarah Palin, a América ficou apaixonada.

Ela é atraente. Ela tem uma família numerosa e feliz (já lá vamos). 
Ela tem um bebé com síndroma de Down. Mais importante para o seu eleitorado natural, ela não fez um aborto quando soube que estava grávida de um bebé com síndroma de Down. 
Ela tem uma filha adolescente grávida que vai ter a criança e casar, deixando de praticar o pecaminoso sexo pré-marital e mostrando todo o sentido de responsabilidade que não teve quando fez sexo sem protecção. 
Ela vive entre a Rússia e o Canadá, fazendo dela a candidata com mais experiência internacional (esta é boa demais para ser inventada). 
Ela caça e bebe como os homens de barba rija e diz que já é altura do "Joe Six-pack" (Zé Povinho, mas com muita cerveja e uma caçadeira à mistura) estar representado na Casa Branca. 
Ela é uma ex-candidata a Miss Alaska, a última fronteira americana, onde as pessoas são rijas e sabem como viver do que a terra dá (e dos subsídios do governo central: per capita, mais que qualquer outro estado americano). 
Ela acredita no creacionismo (e é a prova viva que a evolução não afecta algumas criaturas). 
Ela tem a certeza que o fim dos tempos está a chegar e que vai ser uma das eleitas de Deus (os democratas e republicanos mais abichanados serão consumidos pelo fogo). 
Ela é a republicana perfeita: agressiva,  conservadora até à estupidez, flexível quando convém (ver filha adolescente grávida), fundamentalista religiosa e populista: a única diferença entre ela e um pitbull, segundo a própria, é o batôn.
Ela é de uma cidade pequena, onde os valores ainda são autênticos, as pessoas genuínas e os anos 60, 70, 80, 90 e 0 nunca aconteceram.
Ela é patriota e os que não são como ela não são, e talvez sejam terroristas.
Ela acha que há livros que deviam ser banidos, não vão corromper as mentes frágeis das crianças com ideias como sexo antes do casamento e outras porcarias, como a capacidade para pensarem pelas suas próprias cabeças.

McCain arranjou a candidata perfeita para motivar os republicanos menos empenhados na sua candidatura. Depois de, sem sucesso, procurar o apoio de pregadores extremistas e passar a ser contra o aborto, ele precisava de fazer algo realmente radical para conseguir o apoio da ala mais conservadora (ler fundamentalista) do partido. 

O problema é que escolheu bem demais. Sarah Palin é mesmo tão ignorante, boçal, mal-formada e deficientemente informada como parece, para não falar de defeitos mais importantes como acusações de corrupção, má gestão de fundos e abusos de poder.

Assim que Sarah Palin começou a falar em público (sem a muleta de um discurso ensaiado), até analistas republicanos mais normais começaram a confessar um certo embaraço com a escolha do seu partido para vice-presidente. 

Quanto aos democratas, que de pitbull não têm nada, continuam sem saber como lidar com ela. 
Por um lado, gostam que Palin seja tão desadequada para o cargo que faz Obama parecer um poço de experiência por comparação. Por outro, têm medo de atacar a sua falta de experiência, não vão as pessoas reparar que Obama também não é exactamente um colosso nesse campo. 

Com receio de serem acusados de elitismo, sexismo e falta de patriotismo, os democratas vão hesitar no ataque directo até ao dia das eleições. É a sua natureza, um misto de cobardia (se não fizermos talvez eles não façam), ingenuidade (ver o aparte anterior) e mania de que estão acima dessas coisas. 

E se ela ganha, e se o mundo acaba, e se os rumores de que John McCain tem cancro forem verdade, e se ele morre ou fica incapacitado, e se ela for a próxima presidente dos Estados Unidos da América?

Agora que conhece Sarah Palin melhor, a América ficou preocupada.

O triunfo dos porcos




Quando o gigante dos seguros A.I.G. disse que precisava de ajuda, pediu 40 mil milhões de dólares ao governo americano.
Quando o Federal Reserve Bank, depois de muita discussão política, se decidiu pela intervenção, a conta já tinha subido para 85 mil milhões de dólares, mas o estado ficou com 80% da empresa e o dinheiro dos contribuintes seria recuperado com a venda de partes da companhia.
Afinal, era só o começo: a A.I.G. precisava de mais e a factura já subiu para os 123 mil milhões de dólares. As contas destas empresas parecem obras públicas: ultrapassam sempre o que estava no orçamento.

Esta hemorragia de capital público foi o momento em que os defensores do capitalismo mais desregulado (em todos os sentidos) se convenceram das virtudes da intervenção estatal. Seguiu-se o bailout de George Bush. E, claro está, seguiu-se o triste espectáculo de ver os executivos da A.I.G. a oferecerem a si mesmos férias de 400 mil dólares em spas de luxo. Deve ser para melhorar o espírito de equipa.

Toda a gente que esteve contra este bailout e contra o bailout gigante que se seguiu sabia que coisas como esta iam acontecer. Ou suspeitava. Por isso é que exigiam que o dinheiro fosse empregue de outra forma ou, no mínimo, que a sua utilização fosse rigorosamente supervisionada.

O que impressiona mais em tudo isto não é a boçalidade dos executivos da A.I.G. ou a ingenuidade (será que é mesmo?) dos políticos. É a lata.
Eles sabiam que o seu comportamento javardo ia fazer notícia. Mas continuaram a chafurdar porque não querem saber.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Os bois e os ursos, no seu habitat natural




Afinal, o funcionamento dos mercados financeiros é muito simples. 
Mudar este comportamento de manada é que vai ser complicado. Uma manada precisa de ser mantida no curral ou encaminhada na direcção certa por um pastor que conheça bem a natureza das alimárias (a função dos governos e bancos centrais), ou ter um macho-alfa pouco assustadiço e que sabe para onde vai. 
Quando uns e outros não dão sinais de vida inteligente, o melhor mesmo é sair da frente e esperar que não haja uma ribanceira muito grande no caminho.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

A nova desordem mundial


Quando Bush, pai, proclamou a chegada de uma Nova Ordem Mundial, o fim da história foi anunciado. O capitalismo e a democracia eram os destinos inevitáveis da humanidade, e da América viria a liderança benévola e esclarecida que nos mostraria o caminho.

Durou pouco.

A Somália ia ser a primeira amostra da Nova Ordem Mundial. O país estava devastado pela guerra tribal, as tribos estavam dizimadas pela seca, senhores da guerra roubavam a comida e medicamentos às agências humanitárias, tinha deixado de haver um governo funcional.
A expressão “estado falhado” era usada para definir o problema, mas o que a Somália tinha antes era um estado totalitário, e todos os estados totalitários merecem falhar. O problema é o que surge depois.

Na Somália, a solução possível eram as tribos. Mas a proliferação de armas veio romper as alianças e equilíbrios tradicionais do sistema tribal e o vazio foi preenchido por senhores da guerra que não tinham poder para controlar mais do que alguns bairros ou aldeias. 

A América ia agora liderar uma força de paz internacional para libertar os somalis de si mesmos e levar comida a todos os necessitados. Não havia qualquer interesse americano envolvido. A Somália não tem petróleo e não tinha terroristas. A operação era a primeira demonstração prática de como a Nova Ordem Mundial ia fazer do poder militar americano uma força para o bem, a paz e a democracia em todo o mundo.

Algumas tentativas de assassinar senhores da guerra somalis depois, os americanos ficaram chocados ao verem os corpos de alguns dos seus soldados a ser arrastados pelas ruas, mutilados e queimados. Aqueles selvagens não sabiam que eles estavam lá para ajudar? Os americanos foram embora pouco depois.

Desde então, a única coisa mais ou menos parecida com um governo capaz de ultrapassar as diferenças tribais foi demolida por aviões americanos e tanques etíopes. Porque era um governo de inspiração islâmica, logo, terrorista.

A ausência de um estado teve outro efeito para além de tornar a vida dos somalis difícil.
Nos anos que se seguiram à operação de paz, deixou de haver qualquer forma de controlo sobre as águas territoriais da Somália. O resultado foi uma espécie de faroeste aquático.
Barcos de pesca vieram de todo o mundo civilizado para pescar sem limites, controlo ou moderação. E sem terem de negociar licenças. Navios transportando resíduos tóxicos, vindos de todo o mundo industrializado, largavam o seu lixo ao largo, sem terem de pagar multas ou serem presos. Tudo o que se pode fazer ao mar mas não se deve foi feito.

Os efeitos na saúde das populações locais já se começaram a fazer sentir. A sua reacção também.

Os piratas que aparecem tanto nas notícias começaram por ser (segundo os próprios) a guarda costeira que o país já não tinha. Atacavam os arrastões industriais que pilhavam as suas águas, capturavam as tripulações que despejavam materiais tóxicos e faziam os criminosos que os enviavam para a região pensar duas vezes: será que ainda compensa?

O sucesso trouxe a imitação. Algumas estimativas colocam o número destes piratas modernos em cerca de 30 000. Os ataques também se diversificaram, passando a atingir barcos de cruzeiro e navios de carga inocentes numa das vias marítimas mais frequentadas do mundo. O que começou como “guarda costeira”, há muito que se tornou num negócio de captura e resgate muito lucrativo. O Golfo de Aden são as novas Caraíbas.

Como toda a gente que já foi criança, sempre tive um fraco por piratas. Ver um barquinho com motor fora de borda a tomar de assalto um enorme navio de carga moderno suscita um misto de admiração, incredulidade e espanto. Sim, são criminosos. Mas os piratas das Caraíbas também eram, e bem piores.
E gosto da ironia de ter sido a Nova Ordem Mundial, em larga medida, a criar a desordem que está a devolver protagonismo à pirataria.

Isto ainda dá em filme. Só falta inventar maneira de meter um aventureiro americano branco (um cruzamento de Tarzan com Jack Sparrow) a liderar um bando de terríveis piratas somalis (com um coração de ouro) contra terroristas islâmicos (porque sim) para ter um sucesso de bilheteira. 

Io-ho-ho e uma garrafa de cocktail molotov.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Os bois e os ursos


Segunda-feira, o Dow Jones caiu 777 pontos, a maior descida de sempre num único dia. Terça-feira, voltou a subir 485.21 pontos, ou 4,7%: a terceira maior subida de sempre em pontos e o maior ganho percentual desde 2002.  

A queda representou uma perda de 1.200.000.000.000$00 para a economia americana. Os 700.000.000.000$00 do bailout de Bush, parece, não chegam para cobrir as perdas de um único dia de transacções. Claro que não é para isso que o plano serve, mas a segunda segunda-feira negra, em duas semanas, teve o mérito de tornar mais evidente a inutilidade do plano. 
Os 700 biliões (como dizem os americanos e as pessoas que se cansam de dizer milhares de milhões) não passam de um jeito que o governo quer fazer a Wall Street. 

A expressão "bull market" é usada para descrever um mercado optimista e em subida. "Bear market"descreve a tendência oposta.

Isto explica muita coisa. 
Os corretores da bolsa são como aquelas manadas de vacas dos filmes de cowboys: ao mínimo estampido, entram em debandada e levam tudo à frente. O chumbo do plano de bailout de Bush pelo Congresso Americano provocou a debandada de segunda. Os bois entraram em pânico, armaram-se em ursos e dinheiro suficiente para umas 30 Olimpíadas de Pequim (as mais caras da história) desapareceu. 

Ou não, que tudo isto é irreal. 
Para onde foram os 1.2 triliões (cansa ainda mais dizer milhar de milhares de milhões) de dólares perdidos na segunda? De onde vieram os biliões para a recuperação de terça? Esta riqueza existe mesmo, ou é só um agrupamento de pixels num monitor?