Os políticos americanos (ou todos) passam a maior parte do seu tempo a navegar nos círculos sociais mais rarefeitos. É lá que está o dinheiro, é da sua aprovação e patrocínio que dependem as suas carreiras, são os seus interesses que lhes interessa defender.
Mas algo curioso ocorre de 4 em 4 anos: os políticos tornam-se homens do povo. Este fenómeno, chamado período eleitoral, é uma parte integrante, embora inconveniente, do processo democrático.
Eles começam a sentir os problemas das pessoas comuns, os "verdadeiros americanos", como se fossem os seus. A maneira como falam muda, tornando-se mais simples, directa e coloquial (Hillary Clinton até mudava de sotaque conforme o estado em que estava). Chegam mesmo a abandonar os restaurantes de luxo a favor de casas de hamburgers.
O povo aprecia estes sacrifícios: se o candidato está disposto a esquecer os seus anos de educação superior, se finge pertencer a outra classe social e se está disposto a ficar com o colesterol alto só para ser eleito, é porque é um político dedicado e pronto a servir uma causa maior.
A grande vantagem de Obama, o seu talento de orador, torna-se assim na sua maior fraqueza: Obama, que não é rico e não teve uma infância privilegiada, é visto como elitista porque se exprime correctamente.
Com Joe, o canalizador, a campanha de McCain viu mais uma oportunidade de fazer o seu candidato-milionário-que-não-se-consegue-lembrar-em-público-de-quantas-casas-tem, parecer próximo das aspirações e desejos da classe trabalhadora. Joe quem?
Joe (o nome de família não interessa porque os candidatos são íntimos dele) é um canalizador que falou com Obama na rua, uns dias antes do debate, exprimindo os seus receios relativamente ao plano do candidato democrata de aumentar os impostos a pessoas com rendimentos anuais superiores a 250.000 dólares (mais de 185 mil euros).
Acontece que Joe, o canalizador, é também Samuel Joe Wurzelbacher, o pequeno empresário que quer investir num negócio de canalização que pode fazer mais do que esse dinheiro anualmente. O pobre Joe não quer ver os seus impostos subir porque, como a maior parte dos americanos que ganha bem, ele acha que a segurança social, os serviços de saúde, etc, não passam de um complot cripto-comunista criado por pessoas que não querem trabalhar para sugarem dinheiro aos que fizeram algo das suas vidas.
Ambos os candidatos utilizaram Joe, o canalizador, como exemplo de tudo o que está mal nas propostas do seu adversário:
Segundo McCain, o negócio de Joe vai sofrer com o aumento dos impostos e ele vai acabar arruinado e a ter de dar os filhos para adopção.
Segundo Obama, haveria muitos mais empresários como Joe se as pessoas que ganham menos de 250.000 dólares por ano tivessem uma redução nos impostos que pagam actualmente.
O seu nome foi referido 26 vezes. Ao longo de mais um debate monótono e sem surpresas, aprendemos que a opinião de Joe, o canalizador, é a única relevante em todos os Estados Unidos. O candidato que conseguir que Joe vote nele tem a eleição garantida.
Depois da canonização em directo de um (quase) humilde canalizador como voz dos eleitores e símbolo da classe operária, houve tempo para um pouco de humor e leveza. No dia seguinte, num jantar de caridade com a presença dos dois candidatos, McCain divertiu a audiência afirmando que os impostos de Obama não vão afectar Joe porque o canalizador tinha acabado de fechar um contrato lucrativo para cuidar das suas 7 casas. E dizem que os políticos não são divertidos.
Quanto a Samuel Joe Wurzelbacher, deve estar ansioso pelo 4 de Novembro para poder regressar ao seu anonimato de fuga aos impostos e trabalho de canalizador sem licença.
E para redescobrir o conforto de passar mais 4 anos sem ter de se preocupar com o que é decidido em seu nome.
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